Lei traz novas regras ao mercado laboral
O que muda na precariedade, despedimentos, família e horários
Tudo indica que, ainda em Fevereiro, as relações laborais serão regidas por um Código do Trabalho diferente, mas não muito do que está hoje em vigor. Em boa parte, as mudanças são poucas ou nenhumas. É o caso das justas causas de despedimento, da polivalência no trabalho (em que uma pessoa pode ser transferida para outra função que não aquela para a qual foi contratada) ou ainda do regime de faltas e férias e o trabalho de menores.
Não quer isto dizer que tudo ficará igual. Pelo contrário, em cinco áreas as mudanças serão substanciais, como poderá ler mais em pormenor nas páginas seguintes.
Em primeiro lugar, continua a ser proibido despedir sem justa causa, mas os processos disciplinares serão mais rápidos, já que perderão passos. Por exemplo, o trabalhador deixa de ter o direito de chamar testemunhas ou apresentar provas em sua defesa. Já o recurso à justiça será mais fácil para o trabalhador, que só terá que preencher um formulário a contestar o despedimento, cabendo à empresa iniciar o processo judicial, caso insista na justeza da sua decisão e queira manter a decisão.
O segundo assunto respeita à precariedade, mas sem o aumento para meio ano do período experimental da generalidade dos trabalhadores que o PS quis criar, mas que foi declarado inconstitucional - e que impediu a entrada em vigor da lei em Janeiro, como o Governo queria, inicialmente.
Nesta matéria, será mais fácil provar que se é um falso "recibo verde", já que a lei vem apertar as condições em que se considera existir um contrato de trabalho e não mero trabalho independente. Ainda, regressa para três anos a duração máxima de um contrato a prazo, renovável por três vezes.
Uma quarta área com alterações substanciais é a maternidade e paternidade, substituídos por um novo conceito, de parentalidade. Os tempos de licença aumentam e mudam as condições de apoio a familiares e crianças.
São, ainda, criados horários de trabalho novos, em que será possível ter um sistema de conta-corrente de horas com a empresa ou concentrar as horas semanais em menos dias, aumentando o fim-de-semana.
Um outro ponto, sobre contratos de trabalho, permitirá fazer contratos verbais de muito curta duração para eventos turísticos e agricultura; ou contratos intermitentes, em que se define em que alturas do ano a pessoa será chamada a trabalhar, recebendo o salário "normal", que será reduzido a 20% no meses remanescentes.
De resto, a nova lei concentra num só texto o anterior código, a sua regulamentação, mais as normas do trabalho temporário. Para que tenha pleno efeito, falta ainda alterar os códigos do Processo de Trabalho e o Contributivo.
Formação profissional: Mínimo de 35 horas por ano mantém-se
O trabalhador tem direito a 35 horas de formação contínua, por ano, exactamente o patamar hoje em vigor. A formação deve ser desenvolvida pelo empregador ou por entidade reconhecida e integrada no Sistema Nacional de Qualificações.
A cada ano, tal como hoje, a empresa tem que dar formação, pelo menos, a um décimo dos trabalhadores, incluindo os contratados a prazo.
A empresa pode antecipar, ou adiar, a formação a um dado trabalhador durante dois anos. Se, dois anos depois de findo esse prazo, não a fizer, a pessoa ganha um crédito de horas, considerado período normal de trabalho e pago como tal.
Quando quiser, o trabalhador pode usar o crédito para fazer formação, tendo apenas que informar o empregador, no mínimo, dez dias antes de a iniciar. Se não usar o crédito de horas no espaço de três anos, perde direito a ele. Se, entretanto, o contrato de trabalhar cessar, a pessoa tem direito a receber a retribuição (dinheiro) correspondente às horas da formação que ficou por fazer. Por negociação colectiva ou acordo, pode ser definido que a empresa pagará um subsídio para formação.
Local de trabalho: Mudança temporária só até seis meses
Um dos casos em que a nova lei prevê a caducidade das cláusulas de um acordo assinado entre o trabalhador e o empregador é o da mudança de local de trabalho.
Continua, tal como antes, definido que o empregador pode transferir esse local caso o estabelecimento em causa feche ou por razão "do interesse da empresa", desde que "não implique prejuízo sério para o trabalhador". E que a transferência pode ser permanente ou temporária e que as partes podem negociar outras condições, no contrato individual. Aqui, contudo, são introduzidas duas diferenças. Primeiro, uma transferência temporária não pode exceder os seis meses (hoje a lei não define duração máxima). Em segundo lugar, caso o contrato preveja outras condições além das já estipuladas na lei, elas caducam se não tiverem sido usadas ao final de dois anos.
O contrato continua a vigorar, só caducam as alíneas relativas a transferência do local de trabalho. O empregador continua, tal como hoje, a ter que suportar o acréscimo de despesa em que o trabalhador incorra para se deslocar até ao novo local de trabalho, ou de alojamento, em caso de transferência temporária.
Cláusulas "abusivas": Lei admite caducidade ou anulação
Na esmagadora maioria dos casos, na altura de assinar um contrato, o trabalhador é a parte mais frágil da relação laboral, resignando-se a aceitar as condições impostas pela entidade empregadora. É o caso das pessoas que, no mesmo dia que assinam o contrato de trabalho, são obrigadas a assinar também a rescisão.
É para acautelar eventuais abusos da parte das empresas que a lei admite que o trabalhador volte atrás, depois de assinar o papel.
Por exemplo, se o trabalhador tiver assinado um documento onde admite passar a ser só trabalhador a tempo parcial, pode voltar atrás, neste ponto, dentro de sete dias; ou dar o dito por não dito caso tenha assinado um documento de revogação do contrato (saída por mútuo acordo), resolução (quando tem razões para se despedir, com direito a indemnização) ou denúncia (caso queira ir embora). A pessoa só não os pode anular se os tiver assinado na presença de um notário.
Da mesma forma, uma série de cláusulas contratuais caducam ao fim de dois anos, se não usadas. É o caso da possibilidade de mudar de local de trabalho (mobilidade geográfica) ou de funções dentro da empresa (mobilidade funcional).
Faltas, férias e feriados: Assiduidade continua a dar 3 dias de férias
Admitiu-se acabar com o bónus de três dias além dos 22 úteis de férias por ano, uma vez que se demonstrou não ter aumentado a assiduidade dos trabalhadores, mas o texto final acabou por manter a disposição.
Quem não faltar (ou só tiver faltas justificadas) no ano anterior, ganha direito ao total de 25 dias úteis de férias; se tiver duas faltas, fica com 24 dias de férias; se faltar três dias, ganha apenas mais um dia. A novidade é que a lei não considera faltas a licença em caso de gravidez de risco e a licença parental complementar, bem como as dadas para assistência a filho, neto ou familiar próximo.
Os feriados obrigatórios continuam a ser o 1 de Janeiro, a Sexta-Feira Santa e Domingo de Páscoa, o 25 de Abril, o 1 de Maio, o Corpo de Deus, o 10 de Junho, o 15 de Agosto, o 5 de Outubro, o 1 de Novembro e, em Dezembro, os dias 1, 8 e 25. Os facultativos são a Terça-Feira de Carnaval e o feriado municipal.
Nesta matéria, a maior inovação da lei é o facto de proibir expressamente o trabalho nos dias feriados em todos os estabelecimentos obrigados a encerrar ao domingo, como o caso dos hipermercados.
Família e emprego: Licença após parto gozada por qualquer dos pais
Bebé pode ter um dos pais em casa até chegar ao meio ano de idade
O conceito de maternidade e paternidade desaparece do Código do Trabalho. É uma mudança muito maior do que uma simples troca de palavras e implica que todos os direitos previstos na lei passam a ser dados ao pai ou à mãe, excepto o gozo inicial de seis semanas por parte da mãe e de dez dias (antes eram cinco) pelo pai.
De resto, o remanescente da licença pode ser gozada pelo pai, que também pode assumir a responsabilidade pelo aleitamento até a criança ter um ano de idade. Ou seja, pode ser o pai a ficar em casa durante a maior parte da licença.
A licença máxima que um dos progenitores pode tirar continua a ser de cinco meses, mas agora é acrescentado mais um mês, desde que seja gozado pelo outro progenitor. A criança pode, assim, ter um dos pais em casa até atingir meio ano de idade.
Outra alteração à lei respeita ao limite de idade para invocar dispensa para apoio a filho. Hoje, os pais têm direito a dispensa do trabalho, até 30 dias, para assistir um filho com menos de 10 anos. Se a criança tiver entre 10 e 18 anos, a dispensa é cortada para 15 dias. Com o novo código, os 30 dias de dispensa são dados até aos 12 anos de idade do filho. Além disso, admite-se pela primeira vez que os progenitores tenham dispensa do trabalho para assistir a filhos maiores de 18 anos de idade, caso ainda vivam na mesma casa.
Mantém-se em vigor a possibilidade de o progenitor pedir licença de meio ano, prorrogável até quatro anos, para assistir a filho com doença crónica ou deficiência, independente da idade. Podem também pedir a redução do tempo de trabalho ou para trabalhar com horário parcial.
Outra alteração do texto diz respeito ao apoio que os avós podem dar aos filhos e netos. A lei actual já diz que o avô ou avó podem faltar ao trabalho com justificação até 30 dias, para ajudar logo depois do parto, caso o bebé seja filho de adolescente menor de 16 anos. A nova lei mantém esta disposição, mas acrescenta que os avós também se podem substituir aos pais em caso de doença ou acidente do neto. Ou seja, podem faltar até 30 dias se o neto tiver até 12 anos, ou 15 dias se for mais velho, caso este viva com os avós ou seja nascido de filho adolescente.
Ainda em matéria de assistência à família, passa a ser possível faltar para ajudar uma pessoa com quem o trabalhador viva em união de facto, em economia comum ou com quem seja casado. Nas palavras do novo Código, são admitidos até 15 dias de faltas por ano para "prestar assistência inadiável e imprescindível, em caso de doença ou acidente".
A lei será ainda completada com alterações ao Código do Processo de Trabalho e legislação própria sobre o subsídio de parentalidade.
Despedimentos: Empresa que despeça tem de o comprovar em tribunal
Trabalhador só tem de preencher um formulário para pedir anulação
Quando um trabalhador for despedido, já não tem que levar a empresa a tribunal para anular o despedimento. Basta apresentar, ele próprio, um requerimento e o tribunal chama o empregador a justificar-se. Se mantiver a intenção de despedir, terá de ser ele a iniciar o processo judicial e demonstrar a razão da saída do trabalhador. A inversão do ónus da prova é uma das principais mudanças do novo código.
As alterações estendem-se à fase anterior ao despedimento propriamente dito. Os processos disciplinares passam a ser mais rápidos, porque a empresa pode decidir não ouvir testemunhas ou ver provas que o trabalhador apresente - passos que são sempre repetidos em tribunal, se a pessoa processar a empresa.
Além disso, hoje, o trabalhador pode ser reintegrado no emprego (ou indemnizado) se o juiz entender que o despedimento não tem justa causa ou se o empregador falhar passos do processo disciplinar. Com a nova lei, só há direito à reintegração se a empresa não cumprir os procedimentos obrigatórios (ver ao lado). Mesmo assim, o juiz terá sempre que se pronunciar sobre as razões do despedimento. Note-se que parte destas normas consta do Código do Processo de Trabalho, cujas alterações deverão ser apresentadas pelo Governo ainda este ano.
De resto, continua a ser proibido despedir um trabalhador sem justa causa. As causas justas são as mesmas e incluem a desobediência a ordens, provocação de conflitos, faltas injustificadas (ou justificações falsas) e redução anormal da produtividade, entre outras.
Também sem alterações relevantes ficaram as restantes alternativas. O despedimento colectivo continua a ser possível por razões de mercado, estruturais ou tecnológicas, desde que a empresa o justifique e negoceie com a comissão de trabalhadores. Mas o trabalhador despedido tem direito a receber o correspondente a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano de antiguidade (e não da remuneração total) e a lei continua a presumir que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação. De igual forma, não sofrem grandes alterações a saída por vontade do trabalhador ou mútuo acordo e o despedimento por extinção do posto de trabalho e inadaptação.
A lei hoje em vigor determina que essa alternativa só pode ser usada se a empresa tiver feito mudanças de carácter tecnológico ou no processo de fabrico ou venda. A Comissão do Livro Branco, em cujas propostas o Governo se baseou para este documento, tinha chegado a admitir abrir a esfera da inadaptação a outras vertentes do trabalho que não a tecnológica, mas a versão final aprovada pelos deputados não as adoptou.
Fonte Dossiês JN (aqui)