Franceses na rua contra o "nível 6 da gripe sarkozyna", violência marca protestos na Alemanha, Grécia e Turquia
Manifestações em França foram maiores dos que as do Primeiro de Maio de 2008, mas tiveram menos pessoas do que o protesto contra o Governo de 19 de Março
Entre 465.000 pessoas, segundo a polícia, e 1,2 milhões, de acordo com o balanço dos organizadores, participaram ontem em centenas de manifestações contra a forma como o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, está a conduzir o país e a enfrentar a crise financeira.
Os números não chegaram a ser tão grandes como os da jornada de 19 de Março último, mas mesmo assim foram bem maiores do que os registados durante as celebrações do Primeiro de Maio de 2008 e de anos anteriores.
"Alerta nível 6 da gripe sarkozyna!", dizia um dos cartazes, enquanto os 160.000 manifestantes de Paris cantavam: "Resistir não é um crime".
Noutras paragens, as manifestações não foram tão pacíficas quanto na França. A polícia grega disparou gás lacrimogéneo contra os manifestantes que queimaram pelo menos uma viatura nas ruas do centro de Atenas, dentro de um clima de agitação violenta que também se sentiu em Istambul, Berlim, Hamburgo e outras cidades.
As autoridades da Grécia tiveram de lutar contra um grupo de 300 anarquistas que se instalara no Politécnico da capital, depois de mais de seis mil pessoas terem desfilado de forma pacífica pelas ruas da cidade. Não houve, no entanto, feridos nem foram efectuadas detenções.
Na Turquia, o centro de Istambul converteu-se de igual modo em cenário de batalha campal, com a polícia a recorrer a canhões de água e a granadas de gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes. A televisão mostrou homens com máscaras a lançarem pedras e cocktails Molotov contra a polícia e a partir as montras de agências bancárias e de supermercados.
Em Berlim e em Hamburgo, mais de 50 polícias de choque ficaram feridos ao procurar acabar com os violentos protestos contra a crise económica global, tendo-se verificado 57 detenções só na capital. A Alemanha está a enfrentar a sua pior recessão desde a II Guerra Mundial, devendo a economia regredir este ano seis por cento e o desemprego chegar no próximo ano a cerca de cinco milhões de cidadãos.
Delegações curda e tamil.
O Dia do Trabalhador é normalmente assinalado por comícios e desfiles em muitas cidades de diferentes continentes e este ano a crise económica aumentou o número de participantes em muitos deles, misturando-se por vezes as reivindicações sociais com as étnicas. Em Paris, os primeiros a chegar para o desfile foram os comunistas curdos e as associações tamil, com as suas bandeirolas, a recordar dois povos que ainda não têm direito ao seu próprio Estado.
Ao princípio da tarde já tinham desfilado em Toulouse 15.000 pessoas, segundo a polícia, mas os organizadores referiram 40.000. E em Marselha os números foram respectivamente de 8.500 e de 35.000. A antiga candidata presidencial francesa Ségolène Royal desfilou em Niort, na região Poitou-Charentes, com o pessoal da empresa Heuliez, tendo considerado que a jornada era uma ocasião de "combater para que todos tenham trabalho".
Os sindicalizados
727 mil
Em 1996, a CGTP representava 765 mil trabalhadores, mas, em 2008, o número de sindicalizados tinha baixado para 727 mil. Já a UGT registava um acréscimo de 10 mil sindicalizados entre 2004 e os primeiros meses deste ano, representando, segundo João Proença, "um pouco mais de 500 mil" trabalhadores
A Os sindicatos ganham ou perdem força em contextos de crise, com o desemprego a subir de dia para dia? "À partida, as condições são favoráveis a um reforço do poder dos sindicatos. No entanto, quando o desemprego e a precaridade emergem, os trabalhadores tendem a pensar que, manifestando-se ou inscrevendo-se no sindicato, ficam mais frágeis e sujeitos a sofrer retaliação e, no caso dos precários, com medo de obter emprego", advoga Carlos Silva, professor da Universidade do Minho com grande intervenção nas questões do trabalho.
António Dornelas, professor do ISCTE e coordenador do último Livro Verde sobre as Relações Laborais, não tem dúvidas de que "o aumento do desemprego faz reduzir o poder dos sindicatos". "Mas não faz reduzir o peso de todos na mesma proporção. Depende da estratégia de cada um deles", sublinha, dando como exemplo a forma "muito diferente" de actuar das duas centrais sindicais. "A UGT tem-se tornado mais sensível no desenho das políticas públicas activas de concertação social", afirma.
O líder da UGT, João Proença, admite que o momento "é difícil". "A História mostra-nos que nos períodos de crise a sindicalização diminui", reconhece, sublinhando, porém, que é nestas alturas que os sindicatos "reforçam a sua intervenção". "Isto é sempre muito contraditório e varia de sindicato para sindicato. Há muitos trabalhadores que se desvinculam e que têm medo de se ligarem aos sindicatos, com receio de perderem o emprego; mas há outros que, nestas alturas, recorrem aos sindicatos, para defenderem os seus direitos ou porque se sentem desprotegidos", acrescenta Proença.
As maiores dificuldades notam-se nos sectores mais atingidos pela crise: indústria, serviços, comércio e sector financeiro. De resto, foi nestes últimos sectores que a UGT perdeu mais filiados. Em contrapartida, o acréscimo de filiados concentrou-se praticamente na administração pública, na Saúde e na Educação.
Esta tendência não surpreende Elísio Estanque, professor de Sociologia do Trabalho na Universidade de Coimbra. "Os sindicatos crescem nos sectores mais estáveis [ligados ao Estado] e no sector dos serviços", diz.
Este especialista chama a atenção para o facto de ser a classe média "que mais tem aguentado o sindicalismo", até porque "o operariado está em declínio". As últimas grandes manifestações dos professores mostram que é naquela franja da sociedade, "a que mais tem vindo a perder com as mudanças na administração pública", que reside o "último bastião do sindicalismo em Portugal", advoga.
Para este responsável, "a imagem dos sindicatos juntos dos trabalhadores está muito degradada" e a tendência é para "que surjam novas redes, novos movimentos de defesa dos trabalhadores". Até porque os patrões portugueses "dão cada vez menos importância à diversidade interna" e à existência de organizações representativas dos trabalhadores, "fundamentais para a regulação do conflito interno". Esta tendência, "muito influenciada pela globalização", leva os trabalhadores a "auto-reprimirem-se, com medo de entrarem na lista negra e serem descartados", diz Elísio Estanque. Mas, à medida que a pressão for aumentando, aumenta também a "vontade de explodir", e é provável "que venhamos a assistir a algumas explosões sociais", vaticina.
O PÚBLICO tentou ouvir o líder da CGTP, Carvalho da Silva, mas este responsável não esteve disponível.
Fonte Público