Os funcionários públicos foram dos mais sacrificados com as medidas de austeridade. Além dos aumentos dos impostos, válidos para a generalidade dos trabalhadores, sofreram cortes nas remunerações, ficaram sem os subsídios de férias e Natal e estão proibidos de progredir na carreira pelo menos até ao final do programa de ajustamento financeiro. Além disso, correm o risco de serem dispensados do serviço, dado o programa de redução de organismos e estruturas públicas que já está em curso.
"Os trabalhadores estão cada vez pior, em termos de motivação e de perspectivas futuras. A situação é muito má, há uma discriminação inaceitável face ao sector privado, pois são os trabalhadores do Estado que estão a pagar a maior factura da crise", salienta ao Diário Económico o presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Bettencourt Picanço.
Também o dirigente da Frente Sindical da Administração Pública (Fesap), José Abraão, traça um retrato muito negativo para o sector: "Os funcionários estão mais pobres, cada vez mais endividados e muitos já têm os salários penhorados para pagarem as dívidas".
A suspensão dos subsídios de férias e de Natal que entrou em vigor este ano e que terminará no final do programa de ajustamento, como garantiu o Governo, a somar aos cortes médios salariais de 5% aplicados na Função Pública "levou a uma quebra salarial de mais de 20%" e sem contar com os aumentos de impostos, sublinha José Abraão. A somar a estas reduções remuneratórias, está ainda o corte para metade no valor pago pelas horas extraordinárias, que passou a corresponder a 25% da remuneração na primeira hora e 37,5% nas seguintes.
"A instabilidade, a insegurança e a desmotivação dos trabalhadores são marcos significativos a que o Governo deveria estar mais atento", adianta o dirigente da Fesap, criticando ainda a "falta de equidade" do Governo na aplicação das medidas de austeridade.
José Abraão fala ainda numa "enorme angústia sentida pela maioria dos trabalhadores", que temem vir a perder o seu posto de trabalho na sequência da reestruturação e extinção de vários organismos do Estado.
É que, com a aplicação do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), que prevê a extinção de 40% dos organismos públicos, o número de trabalhadores em mobilidade especial deverá aumentar. E, entretanto, o Governo já aprovou maiores cortes salariais para quem for colocado nesta situação de inactividade. Nos dois primeiros meses sem trabalhar, os funcionários mantêm o salário por inteiro, mas nos dez meses seguintes, passam a receber 66,7% da remuneração (contra os anteriores 83%). Após esse período, ficarão com metade do salário (contra os anteriores 66%). Quem recusar iniciar funções no Estado perde direito ao salário durante, pelo menos, 12 meses.
"Dado este cenário e a garantia do Governo de que não haverá mais austeridade, não quero crer que haja mais medidas no futuro que penalizem os trabalhadores da Administração Pública", rematou o dirigente da Fesap.
Recorde-se que o Governo terá de cumprir uma meta de redução de pessoal de 2% ao ano na Função Pública até 2013, mas já assegurou que não haverá despedimentos. O emagrecimento será feito, segundo o Executivo, pela via da aposentação e das restrições nas contratações de pessoal. Porém, o programa do Governo previa a agilização das rescisões por mútuo acordo no Estado, mas até agora ainda não foram conhecidas quaisquer medidas nesse sentido.
Além das medidas orçamentais, o Governo está agora a negociar com os sindicatos a aproximação das regras laborais do sector público (Regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas) às do privado (Código do Trabalho). Entre as medidas mais polémicas está a mobilidade geográfica e a criação de bancos de horas.
As medidas
Sem subsídios de férias e de Natal
O Governo garante que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal é uma medida temporária, para vigorar até ao final de 2014. Assim, até lá, os funcionários públicos com salários superiores a 600 euros terão uma redução progressiva nos subsídios. A partir de 1.100 euros o corte é de 100% no 13º e 14º mês. A medida também afecta todos os pensionistas.
Redução de salários de 2011 mantém-se
Com o Orçamento do Estado para 2011, o Governo de José Sócrates definiu cortes salariais médios de 5% no Estado para os funcionários que ganham acima de 1.500 euros brutos. O actual Executivo decidiu manter os cortes durante o programa de ajustamento. O corte varia entre 3,5% e 10%, sendo o patamar mais baixo aplicado às remunerações que se situam entre os 1.500 euros e os dois mil euros.
Progressão na carreira proibida
O actual Governo decidiu manter a proibição de revalorizações remuneratórias durante o programa de ajustamento, o que significa que nenhum trabalhador do Estado poderá progredir na carreira mesmo que tenha reunido as condições para o efeito na avaliação de desempenho. Excepto os trabalhadores que tinham reunido as condições até Dezembro de 2010.
Restrição nas novas contratações
As contratações de novos trabalhadores na Administração Pública estão praticamente proibidas. Só em casos excepcionais e com autorização do ministro das Finanças são admitidos novos funcionários, segundo a lei. Esta norma servirá para o Governo cumprir a meta de redução de pessoal de 2% ao ano na Administração Pública, conjugada com as saídas por aposentação.