No último mandato à frente da UGT, garante que não tem ambições políticas para quando deixar a central
João Proença está na liderança da UGT desde 1995. Não poupa críticas à troika e acusa o governo de não fazer nada para incentivar o crescimento e combater o desemprego. E acrescenta que o governo se esconde atrás da troika quando quer impor medidas sem assumir a responsabilidade. Membro da comissão política nacional do PS e da maçonaria, osecretário-geral da UGT garante que faz a separação das águas e que a central é independente do partido como do Grande Oriente Lusitano (GOL).
Tem ameaçado romper o acordo tripartido assinado em concertação social. Está arrependido de ter assinado?
O acordo assinado em Janeiro é um acordo bom para os trabalhadores e para o país. É um acordo que travou a tentativa de impor a desregulação laboral através da nova fórmula de despedimento, do aumento de termo de trabalho, da eliminação da arbitragem obrigatória, pondo em causa a negociação colectiva. Por outro lado, havia que criar um quadro de crescimento de emprego, era este o grande objectivo do acordo. É fundamental que dentro do mercado de trabalho as medidas acordadas sejam cumpridas na íntegra. Está em causa a defesa da negociação colectiva – a troika tem tentado matar a negociação colectiva em Portugal, por vias diversas.
Estamos portanto mal servidos de governo e de troika?
A troika está bastante alienada da realidade nacional, a impor um modelo que não se ajusta àquilo que são as realidades do país. Não retirou as devidas lições do exemplo grego, que provou que a austeridade como objectivo não funciona, pois a austeridade pode conduzir a uma espiral de recessão. Por via dos sacrifícios que são exigidos o crescimento económico é inferior e diminuem as receitas. São então exigidos mais sacrifícios, para atingir os objectivos do défice. Mais sacrifício, mais recessão, mais sacrifício, mais recessão, e não saímos disto. É aquilo que caracteriza o exemplo grego. A troika em Portugal ainda não conseguiu entender que é necessária uma dinâmica de crescimento de emprego, o memorando de entendimento basicamente impunha-nos austeridade. Hoje, felizmente, já se começa a notar uma posição europeia que vem dizer que a austeridade não é solução, que é necessário crescimento e emprego, embora ainda sem medidas. Porém, a troika mantém em Portugal o mesmo discurso obsessivo – austeridade, austeridade, austeridade. Diz que está preocupada com o desemprego mas na verdade não está preocupada com as pessoas, mas sim com os custos do subsídio de desemprego.
O governo tem campo de manobra para outras políticas?
Portugal tem de ter capacidade para, perante algumas dessas instituições, mostrar que tem de mudar de políticas. Não significa que nós não consideramos essencial atingirmos determinados objectivos que estão no memorando com a troika, nomeadamente a redução do défice. Podemos discutir o ritmo, já foi dito pela própria troika, e o desequilíbrio das contas do Estado. Não podemos continuar a importar muito mais do que exportamos. Antes havia as remessas dos emigrantes e agora já não há. E temos de nos concentrar no sector empregador, em vez de nos bancos. Há coisas boas no Memorando, como diminuir as rendas em sectores não submetidos à concorrência internacional ou introduzir reformas estruturais. Mas há coisas más. Quando falam em reformas estruturais falam em menos Estado, que é tipicamente uma posição do FMI, privatizações, menos Estado social. Portanto, temos de questionar estas políticas, se se adaptam ou não à realidade nacional. São políticas da bíblia da troika, que outras vezes acho que é a bíblia do governo, que pede à troika para implementar determinadas políticas.
Tem-se encontrado com os representantes da troika. Tem conseguido fazer-se ouvir?
Houve também uma reunião com o FMI, organizada pela confederação sindical internacional. Temos tentado defender estas preocupações com a necessidade de crescimento e emprego, defesa da negociação colectiva e respeito pelo acordo. Se o acordo não respeita integralmente o Memorando da troika é o Memorando da troika que tem de se ajustar ao acordo e não o acordo ao Memorando. O acordo é claramente favorável à defesa da negociação colectiva, não é a troika que agora pode pôr em causa a nossa negociação colectiva e o modelo de negociação colectiva em Portugal. Portugal está demasiado subordinado à troika. Não podemos continuar a ser um yes men. Mas também vemos que o governo quer implementar certas políticas e, como não é capaz de as defender, põe a troika a defendê-las.
Onde é que o governo falha?
Não há medidas nenhumas significativas na área do emprego, na área do crescimento económico nem na área da competitividade. O governo só se tem preocupado com a competitividade à custa dos salários, ou seja, não permitir aumentos salariais para aumentar a competitividade das empresas. Isto está a matar a economia, na medida em que muito do emprego está ligado ao mercado interno – se não há salários, se não há rendimentos, se há aumento de impostos, o resultado é a diminuição do mercado interno. E diminuindo o mercado interno, as empresas não produzem, não é porque não tenham capacidade, não é porque não sejam competitivas – é porque não vendem, porque não têm mercado. A grande maioria das empresas portuguesas não está ligada à exportação, poucas são as PME directamente exportadoras, as PME exportam por via de outras empresas maiores. A grande maioria das empresas portuguesas não produzem para exportação.
Que propõe?
Consideramos fundamental haver um grande investimento no sector produtivo. E quando estamos a falar de sector produtivo, não estamos a falar da indústria apenas, também da agricultura, de sectores como o turismo e outros, que estão abertos a uma concorrência internacional e por vezes extremamente dura. Há que reforçar estes sectores. É fundamental criar condições para que as empresas portuguesas cheguem ao mercado – apostar nas exportações é importante, mas as exportações só são possíveis se houver uma boa base do mercado interno, pois grande parte das empresas que está na exportação está também no mercado interno. Outro problema, no mercado interno são políticas deliberadas por parte de alguns gestores, de importação de produtos que poderiam ser produzidos cá. Não se trata de proteccionismo, é estúpido ter um mercado totalmente aberto que favorece as importações em vez de favorecer as empresas nacionais.
Que coisas poderia o governo fazer e não faz?
Há muito que exigimos ao governo políticas sectoriais. Por um lado, criação de postos de trabalho, defesa de sectores que se consideram importantes para o futuro, criar uma dinâmica de crescimento destes sectores. Noutros sectores, onde está em causa a manutenção de postos de trabalho, são necessárias políticas alternativas. No caso da construção civil, acabou por muitos anos o modelo da construção civil sustentada por grandes obras públicas. Vai havendo obras públicas, mas com um volume de emprego de um quinto ou um décimo do que era há pouco tempo. E tínhamos a construção civil muito baseada no sector da habitação. Portugal hoje tem habitações a mais. O grande empregador, que eram as autarquias, que tinha muitas pequenas obras, neste momento não tem condições para isso. Há que apostar em programas em que haja um co-financiamento privado importante, que têm de arrancar. Há muito que se fala do programa de reabilitação urbana que, na prática, não arranca. Outra questão é a da recuperação da rede viária – são muitas pequenas obras ligadas às autarquias. O QREN está actualmente suspenso – é uma coisa totalmente absurda, suspender o quadro comunitário de apoio neste momento. É fundamental pô-lo ao serviço quer das autarquias, quer dos empresários, que também têm de investir mais. Tem que se criar uma dinâmica de confiança e de investimento privado. O investimento público é muito mais reduzido e há que concentrá-lo em obras que criem emprego, como é o programa de reabilitação urbana ou um programa de manutenção de estradas.
Defende mais investimento público?
Temos a noção que não há condições para haver investimento público. O que defendemos é que sejam usadas as verbas nacionais existentes e as verbas comunitárias, para dinamizar algum investimento público. E que se usem fundos comunitários para dinamizar o investimento privado.
E o que responde às acusações que dizem ter posto em questão o diálogo com a outra força sindical?
O diálogo é quase impossível, neste momento, pois essa outra força sindical está completamente dependente de um partido que escolheu a via do conflito. A CGTP impõe um clima de ruptura social e de conflito e não um clima de negociação. Enquanto nós seguimos um sindicalismo de oposição e de acção, a CGTP opta por um sindicalismo só de conflito. As propostas que faz não têm, à partida, nenhuma possibilidade de serem levadas à prática ou de conseguirem o mínimo de aceitação político-social, assentam sempre em propostas de ruptura, para fundamentar o conflito, nunca para abrir caminho à negociação.
É mais difícil entender-se com a nova liderança, com Arménio Carlos?
A CGTP perdeu claramente autonomia face ao partido. Lembro-me de há uns anos um líder do PCP ter dito no Brasil que em Portugal nunca tiveram qualquer dificuldade em controlar a CGTP, pois sempre que havia alguma questão, convocavam a célula do partido e resolvia-se tudo. Neste momento a CGTP regressa a este papel de célula do partido.
O secretário-geral da UGT é do PS. A UGT não está igualmente ligada ao PS?
Não e ainda agora o provámos. O facto de ter um secretário-geral do partido socialista não significa que a esmagadora maioria dos socialistas tivessem votado o acordo. A UGT sempre tomou posições baseadas numa grande maioria dentro da central. É isso que faz a independência de uma central. E a UGT tem tido uma grande renovação dos seus dirigentes. A grande maioria dos que estão no actual executivo foram eleitos depois do último congresso, houve uma renovação de mais de 50%.
Sindicatos filiados na UGT aderiram à greve geral convocada pela CGTP. Tem sido difícil gerir tensões no seio da UGT?
Foi uma situação muito marginal. Não houve nenhum sindicato que aderisse expressamente à greve geral. Houve sindicatos que marcaram greves sectoriais na mesma data da greve geral da CGTP. Foram adesões pontuais, não se tratou de uma adesão global à greve geral. Tensões têm-nas todas as organizações sociais. Na central sempre existiram diferenças de opiniões, e ainda bem. Sem cultivar e até combatendo um clima de uniformidade, houve sempre um clima de unidade.
Portugal apresenta uma taxa de sindicalização de cerca de 19%. Pode dizer-se que os sindicatos representam os trabalhadores portugueses?
Se os sindicatos têm uma taxa de sindicalização de 19%, os patrões têm uma taxa de filiação das empresas claramente inferior a 19%. Mas não olhemos para 19% só, olhemos para muitas empresas e sectores de actividade com taxas de sindicalização muito superiores a 50%. Não esqueçamos que temos um tecido económico muito centrado nas PME, 75% do emprego está nas PME. Temos a maior taxa de sindicalização do mundo no sector bancário. Nas grandes empresas – quer públicas, quer privadas, sobretudo as grandes do sector público – temos taxas de sindicalização na ordem de 70 a 80% e até mais, também nas empresas privadas. Temos taxas de sindicalização muito variadas. A administração pública, por exemplo, tem uma taxa de sindicalização superior a 19%. Que é muito diferenciada: alta nas áreas da educação, da saúde, das autarquias locais. Também temos de ter em conta que existe uma atitude claramente anti-sindical por parte de muitos empregadores, alguns estrangeiros, que impedem o sindicato de entrar nas empresas e criam dificuldades permanentes à actividade sindical.
Aproxima-se o fim do seu último mandato na liderança da UGT. Estava a dizer-me que tem havido renovação, mas não se vêm sucessores no horizonte. Fale-me de alguns nomes – Sérgio Monte, Helena André, José Abraão, há outros – queria saber se vê neles possíveis sucessores.
Nenhum desses nomes apareceu por via do sindicato, são evocados por comentadores. A UGT é uma central democrática. A decisão final caberá aos delegados ao congresso, de acordo com os estatutos. Em Dezembro do ano passado foi aprovada por unanimidade uma resolução relativa ao processo de escolha do secretário-geral. Em Maio apareceu um candidato, Carlos Silva, presidente do Sindicato dos Bancários do Centro, que é um excelente candidato, quanto a mim, com provas dadas no movimento sindical, simultaneamente presidente da UGT de Coimbra. É uma pessoa com o perfil adequado. O secretariado nacional vai votar em Julho o candidato que vai propor ao congresso da UGT.
Gostaria de ver aparecer outros nomes?
Poderão aparecer outros nomes. Isto não significa que não possam apresentar-se outros candidatos. Mas terão de ter apoios sindicais. Evocou o Sérgio Monte – como secretário-geral do SITRA apoiou a candidatura do Carlos Silva. Eu gostaria de ter saído no último congresso, fiz esforços para isso. A Helena André teria sido uma excelente candidata no último congresso, mas optou na altura por ser candidata a secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos (CES). Em seguida, saiu para ir para o governo. Depois de ir para o governo, não há regresso ao movimento sindical. É uma opção. Neste momento está na opção político--partidária e não tem regresso ao movimento sindical. Relativamente a outros candidatos, é legítimo que se candidatem, mas têm de apresentar candidaturas nas condições previstas pelos estatutos da UGT, subscritas por 10% dos delegados.
Tem ambições políticas para quando terminar o mandato na UGT?
Não. Já tenho idade para me reformar. Interessa-me unicamente deixar as coisas bem resolvidas na UGT.
Qual é o balanço da sua liderança? Quais foram os momentos mais difíceis?
Houve vários momentos difíceis. Houve várias greves gerais, até esse momento só tinha havido uma. Foi o momento em que se negociavam os acordos de concertação social mais importantes. Eu estive na origem da concertação – era eu, um representante do governo e um representante da CIP, que na altura elaborou a lei orgânica do Conselho Permanente da Concertação Social, em 1984, a pedido do executivo. Até 1995 houve um único grande acordo. Depois disso houve vários acordos e até reformas estruturais fundamentais, como a da segurança social e a das condições de trabalho. Também em termos de movimento sindical, é evidente que a UGT se reforçou, mas sempre promovendo a reestruturação sindical. E também apostámos na reestruturação, na criação de federações. Mas a grande aposta tem sido na melhoria das condições de vida no trabalho.
Como é que se resolve o problema dos precários?
Estamos num país onde se tem valorizado de mais uma não realidade. Diz-se que o mercado de trabalho em Portugal é muito rígido, mas o nosso mercado é dos mais flexíveis da Europa. Até porque a reestruturação das empresas se tem feito à custa dos despedimentos colectivos, que é dos mais liberais da Europa. E quando falamos disso, estamos a falar de duas pessoas despedidas num período de três meses numa empresa com menos de 50 trabalhadores. E de cinco pessoas para empresas com mais de 50 trabalhadores. É fácil despedir sob o ponto de vista administrativo. E neste tipo de despedimento, é o empregador que define os critérios, que têm de ser objectivos. Portanto o despedimento colectivo é o factor de adaptação das empresas. O despedimento individual é bastante mais difícil, e espero que permaneça, mas mesmo neste caso há duas causas que não dependem da culpa do trabalhador, que é a questão da extinção do posto de trabalho e da adaptação. Portanto no quadro geral o despedimento é fácil. Até agora, criou-se uma coisa que quanto a nós é absurda, que é a questão da diminuição das compensações por despedimento.
Está a ser facilitada a precariedade, sim?
Tudo isto criou um quadro que é o da facilitação da contratação precária, legal e ilegalmente. Temos procurado mecanismos diversos para combater essa precariedade. Agora criou-se um sistema que entra em vigor dentro de dois anos – quando um empregador tem mais de 80% dos trabalhadores a recibo verde tem de descontar automaticamente para a segurança social 5%. Mas também será desencadeada uma fiscalização, para saber se é um falso recibo verde. Batemo-nos pela integração dos estagiários na segurança social, estamos a falar de 70 a 80 mil trabalhadores, temo-nos batido também para que outras formas de trabalho precário, eventualmente ainda mais que os contratos a prazo, possam ser reguladas, nomeadamente a questão do trabalho temporário. Nos contratos a prazo, também nos temos batido muito pelos incentivos ao emprego permanente.
Devemos entender do seu comentário sobre a vitória de Hollande em França que é bom ele ter vencido só porque é socialista?
Eu não disse bem isso. Hoje temos uma Europa monolítica, totalmente subordinada aos interesses alemães, que estão a ser muito bem defendidos, prejudicando claramente outros países. Portanto, não é por FraVan Persiençois Hollande ser socialista, mas porque considero fundamental que outras vozes se façam ouvir. E que seja criada uma dinâmica idêntica à que esteve na base do grande crescimento da União Europeia, a dinâmica Kohl-Mitterrand-Delors . Precisamos de voltar a uma Europa que pense o futuro e não esteja unicamente preocupada com questões orçamentais e monetárias. O crescimento e o emprego foram ignorados totalmente. Esperemos que lá para Junho surjam medidas, nomeadamente de contrapartida ao pacto orçamental e monetário, no quadro da revisão dos tratados. Uma Europa onde seja introduzida a dinâmica do crescimento e emprego e do diálogo social, uma Europa que crie coesão – um dos grandes problemas é o afastamento de alguns países deste ideal, nomeadamente os países nórdicos, que fazem muita falta à construção europeia.
Pertence à maçonaria. Que responde àqueles que receiam influências da maçonaria nos bastidores da cena política, à revelia do cidadão?
Sim, pertenço à maçonaria. É público. Mas sempre houve organizações nas sociedades, como a igreja. Os problemas que têm surgido nunca estão ligados ao GOL e são mais questões de pessoas do que da organização. A maçonaria nunca entrou na UGT. A maçonaria é uma opção pessoal. E temos muito respeito e boas relações com a igreja. São realidades importantes ao nível nacional. É evidente que influencia a vida das pessoas, mas normalmente. O quarto poder em Portugal é a comunicação social. Não é nem a maçonaria nem a igreja.