Passados sete meses sobre o lançamento da plataforma «dados.gov», o Governo achou por bem festejar a «obra feita» na abertura de dados públicos. «O projeto já ultrapassou a barreira dos 200 conjuntos, disponibilizando neste momento 205 conjuntos de dados da Administração Pública e registando já cerca de 140.000 visualizações». Este foi o argumento da celebração do gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro-Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Feliciano Barreiras Duarte. Em comunicado, o Governo congratulava-se de terem sido ultrapassadas as metas inicialmente estabelecidas para a plataforma nacional de dados abertos «dados.gov», sobretudo no tocante aos conjuntos de dados disponíveis.
Com efeito, aquando do lançamento da plataforma em Novembro de 2011, o responsável do Governo prometia duplicar, até ao início de 2012, o número de data-sets disponibilizados inicialmente. Ou seja, atingir no início de 2012 a meta de 200 conjuntos de dados. Sete meses depois, chega a satisfação da meta atingida.
Mas na proposta inicial do Governo, as metas quantitativas talvez nem sejam o mais importante. Os resultados que realmente interessam medem-se pela qualidade dos dados, pela sua utilização e pelo seu contributo para a meta final também apontada, e bem, pelo próprio Governo: O «dados.gov» visa tornar mais transparente a Administração Pública. É precisamente aqui que o projecto nacional de dados abertos parece ter ainda um longo caminho a percorrer.
Uma análise mais qualitativa aos dados disponibilizados evidencia claras lacunas e inconsistências que colocam grandes dificuldades a quem quer «deitar mãos à obra» do tratamento, exploração e análise dos dados. Afinal, esta é a principal razão de ser das plataformas de dados abertos: reutilizar, combinar e analisar os dados para os transformar em informação perceptível.
Mas no «dados.gov» a tarefa de trabalhar os dados pode revelar-se algo frustrante a vários níveis:
Lacunas:
Por exemplo, em todo o portfólio de dados já disponibilizado no portal ainda existem áreas do serviço público (categorias) sem qualquer conjunto de dados, como sejam a Administração Interna, Agricultura e Pescas, Cultura ou Emprego e Segurança Social, entre outros.
Inconsistências
Algumas entidades falham em detalhes que, sendo pequenos, fazem toda a diferença para quem pesquisa e trata os dados, como a normalização da taxonomia dos títulos. Nos dados fornecidos pela própria AMA, por exemplo, num conjunto de data-sets o mesmo termo aparece escrito de formas distintas. Ex: Loja do Cidadão (LC, Lojas Cidadão, Lojas do Cidadão) ou Cartão de Cidadão (CC, C. Cidadão, Cartão de Cidadão). Em resultado, as pesquisas por «Cartão Cidadão» ou «Loja do Cidadão» não devolvem quaisquer resultados.
Continuidade/Regularidade
A continuidade e regularidade dos dados é um dos factores mais críticos no «contrato celebrado» entre um serviço de dados abertos e os seus clientes. Assim que se começa a disponibilizar um data-set sobre um determinado tema, abre-se ao público uma possibilidade de análise que não convém quebrar ou descontinuar. Os dados em modo «avulso» são de pouca utilidade, e até uma perda de tempo, para quem se dedica à análise séria dos temas. Alguns data-sets disponibilizados pela AMA, sobre o atendimento a cidadãos e empresas e sobre os acessos aos portais do Cidadão e Empresa, são disso um bom exemplo. Estes dados foram colocados uma vez (2011 1º Semestre) e não tiveram continuidade.
Aplicações
Do lado da utilização, o défice mais evidente sente-se no catálogo de aplicações, uma área aberta aos utilizadores interessados em desenvolver e disponibilizar aplicações que explorem os dados do portal. Ao fim de sete meses de vida do «dados.gov», esta área do portal só conseguiu captar a adesão de apenas um utilizador, que disponibiliza três aplicações. A AMA limita-se a fornecer alguns exemplos de aplicações internacionais.
Estes são apenas alguns exemplos a demonstrar que os indicadores quantitativos nem sempre são a melhor régua para medir resultados. E evidenciam que o projecto «dados.gov», enquanto instrumento ao serviço da abertura dos dados públicos e da transparência, ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar aos padrões de qualidade de outras iniciativas internacionais. Projectos como os de Espanha, Reino Unido, França, Estados Unidos,Catalunha, Chicago, etc... distanciam-se a passos lagos do nosso.
Aqui, se houver a verdadeira intenção de assumir o compromisso da transperência pelos dados, talvez não fosse má ideia arriscar o desafio internacional, como se fez em projectos como o Cartão de Cidadão (STORK) ou a recente Plataforma de Dados de Saúde (epSOS). Naentrevista ao iGOV em Abril passado, o Secretário de Estado Feliciano Barreiras Duarte garantia que o Governo estava a trabalhar já no sentido de Portugal entrar na Open Government Partnership que foi lançada em Setembro de 2011, na sede da ONU, por Barack Obama e Dilma Russeff. «Ainda hoje de manhã estive com o meu gabinete a trabalhar sobre essa matéria», garantia o responsável do Governo em entrevista. Mas até hoje, Portugal ainda não figura na geografia global da Open Government Partnership.
Ao designio da transparência, há a acrescentar a dimensão económica. A vice-presidente da Comissão Europeia (CE), Neelie Kroes, já avançou uma estimativa para o espaço europeu: 70 mil milhões de euros por ano. Ou seja, refere a responsável da CE, «a informação do sector público gera cerca de 30 mil milhões de euros em actividades económicas, em serviços de geolocalização e previsões meteorológicas, entre outros. Ao abrir completamente este recurso, poderiamos mais do que duplicar o valor desta actividade para cerca de 70 mil milhões de euros. Esta abertura pode gerar receitas fiscais que excedem largamente as receitas antes conseguidas com a vendas dos dados».
Argumentos não faltam para Portugal levar a sério os desafios da abertura dos dados e da transparência...
Ana Pinto Martinho, Directora do iGOV