Veja aqui onde chega a austeridade anunciada pelo Governo de Passos e Gaspar
Uma vez mais, o Governo foi além do que pedia a troika. Na contagem decrescente para o Orçamento do Estado de 2013, Vítor Gaspar dramatiza ainda mais as palavras do primeiro-ministro no final da semana passada. "Até agora protegemos o nosso modo de vida, em geral", disse. Mas para manter Portugal no euro quase todos os portugueses foram novamente notificados de que vão pagar ainda mais impostos e que terão de aceitar cortes a fundo nos serviços públicos e apoios sociais. Reformados e empregados, do público e privado, sobretudo os da classe média, vão sofrer uma redução histórica de rendimentos. Em 2013, a recessão vai continuar (-1%) e o desemprego subirá até 16% da população ativa.
3 mudanças essenciais:
1. Função pública corta nos contratos. Professores na linha da frente
Em 2013, os 80 987 contratados a prazo da função pública serão os principais candidatos a despedimentos no Estado. Ontem, na apresentação da 5.ª avaliação da troika, o ministro das Finanças e o secretário de Estado da Função Pública apontaram este grupo como alvo preferencial na poupança do Estado, a par das rescisões por mútuo acordo e saída de funcionários para a reforma. "Havendo um esforço de redução a fazer, terá de ser nesta área (contratados a prazo) em primeiro lugar", disse Hélder Rosalino. A 30 junho de 2012, pelos números disponibilizados pela Direção-Geral da Administração Pública, os contratados a termo representavam 16% do total de funcionários, sem contar com o pessoal das empresas públicas. Destes 80 987, quase dois terços são professores e contratados pelo Ministério da Educação (53 459 pessoas). Há uma semana, em entrevista ao Sol, o ministro Nuno Crato assumia que o despedimento de professores é "inevitável", depois de 40 mil terem ficado sem lugar no novo ano letivo. Nos dois primeiros trimestres de 2012 saíram do Ministério da Educação 12 909 pessoas.
2. IRS vai subir em 2013 com corte no número de escalões
Haverá uma "redução significativa" do número de escalões de IRS já a partir de 2013. A taxa mais elevada – 46,5%, a que acresce a taxa adicional de solidariedade - mantém-se, bem como a progressividade do imposto, e "salvaguarda-se a manutenção dos limites atuais do mínimo de existência de forma a proteger mais de 2,6 milhões de famílias de menores recursos", assegurou o ministro das Finanças. Vítor Gaspar não disse como irão ficar os escalões de IRS, limitando-se a acrescentar que a redução "estará associada com um aumento das taxas médias efetivas de imposto, aproximando a capacidade de arrecadação de IRS dos padrões vigentes na Europa". O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, também remeteu mais detalhes para a proposta do Orçamento do Estado para 2013, que será apresentada a 15 de outubro. Portugal tem atualmente oito escalões de IRS. Na União Europeia, apenas a Grécia, com nove, possui mais escalões. A média ronda os três a quatro escalões.
3. Casas que valham mais que um milhão serão sujeitas a nova taxa
O Governo vai criar, já este ano, "uma nova taxa em sede de imposto do selo" sobre os imóveis de "elevado valor", ou seja, igual ou acima de um milhão de euros, segundo explicou ontem o secretário de Estados dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio. Esta taxa, cujos detalhes serão conhecidos em breve, irá continuar em 2013 e acresce aos aumentos do IMI e aos efeitos da avaliação patrimonial em curso e que está a rever em alta o valor dos imóveis. O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, Menezes Leitão, considera que "a tributação dos imóveis atingiu já valores insuportáveis" e o presidente da APEMIP, Luís Lima, alerta que esta situação pode afastar de Portugal os compradores estrangeiros. De acordo com o responsável da APEMIP, não é possível quantificar quantas casas de um milhão existem em Portugal, mas garante que não deverão ser mais do que 2% a 3% dos cerca de seis milhões de habitações existentes no País. No entanto, ressalva que isso pode mudar tendo em conta a avaliação patrimonial em curso.
Medidas que já eram conhecidas:
1. TSU sobe para 18%: empresas contribuem menos, trabalhadores mais
Os trabalhadores do sector privado vão passar a descontar 18% para a Segurança Social, mais sete pontos percentuais do que os atuais 11%, o que equivale a perder um dos subsídios. Em compensação, a taxa social única (TSU) a cargo das empresas cairá dos atuais 23,75% para 18%. “Procurámos combinar a necessidade de alcançar um impacto orçamental semelhante [ao do corte dos subsídios dos funcionários públicos chumbados pelo Tribunal Constitucional] com uma medida de desvalorização fiscal que contribuísse para aumentar a competitividade externa e preservar o emprego”, explicou o ministro das Finanças, Vítor Gaspar. Os funcionários públicos, para os quais se mantém o corte de um dos subsídios, vão também descontar 18% para a CGA, mais sete pontos percentuais do que agora, o que na prática significa que vão ficar sem os dois subsídios.
2. Corte salarial
Como o aumento da TSU incide sobre o salário bruto, os funcionários no privado vão perder, na prática, mais do que um salário líquido. Os funcionários públicos perdem os dois subsídios
3. 1000 milhões de corte nas PPP
Para 2013 o objetivo é diminuir os encargos com as parcerias público-privadas. Até agora, o Governo já conseguiu uma poupança de mil milhões de euros nas subconcessões já negociadas. Ainda há contratos por rever e a estratégia será conhecida durante o mês de dezembro. Nesta linha, o Governo quer ainda racionalizar os investimentos por parte das empresas públicas. A supervisão do Governo sobre as empresas será reforçada.
4. IVA nos produtos mantém-se
Não foram feitas quaisquer alterações às taxas nem nem a passagem de produtos para taxas mais altas de IVA. Contrariamente ao que era esperado, o Governo optou por não tocar no imposto indireto e o ministro das Finanças disse mesmo que “não existe, relativamente a este assunto, qualquer comentário concreto a fazer”. Mantêm-se portanto as regras que entraram em vigor no dia 1 de janeiro de 2013.
O que está definido para 2013:
1. Subsídio de desemprego
O Governo vai dificultar ainda mais o acesso às prestações sociais, bem como o valor. O subsídio de desemprego deverá ser cortado aos desempregados mais velhos. No RSI, o controlo na atribuição das prestações ainda vai apertar mais.
2. Corte nos pensionistas
As pensões acima de 1500 euros vão sofrer no próximo ano um corte progressivo, entre 3,5% e 10%, à semelhança do que já acontece com os salários da função pública. A medida já estava prevista no memorando inicial, mas "não foi aplicada porque se previu nessa altura a redução do décimo terceiro e décimo quarto meses", explicou o secretário de Estado do Orçamento, Luís Morais Sarmento. O corte chegou a estar incluído no chamado PEC IV, o último de Sócrates. O programa foi no entanto rejeitado pela oposição, levando à demissão do Governo e ao pedido de ajuda externa. Os cortes avançam agora, como estava previsto, a juntar à suspensão dos subsídios de férias e de Natal.
3. Recibos verdes pagam mais TSU
Os trabalhadores independentes, vulgarmente conhecidos como trabalhadores a recibos verdes, vão passar também a descontar mais para a Segurança Social, passando da atual contribuição de 29,6% para 31,7%, mais 2,1 pontos percentuais. De acordo com o secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino, estes trabalhadores também "serão chamados a contribuir" para o esforço de consolidação orçamental e, como tal, verão a sua contribuição subir na sequência da subida de sete pontos percentuais, de 11% para 18% dos restantes trabalhadores. Para estes, a contribuição global, que é atualmente de 34,75% (11% a cargo do trabalhador e 23,75% pagos pelo empregador) vai passar para 36% (18% cada um).
4. Sobem impostos sobre capital
O capital vai pagar uma taxa de imposto mais elevada em 2013. A tributação sobre os dividendos e as mais-valias bolsistas passam para uma taxa de imposto de 26,5%, contra os atuais 25%. Os juros dos depósitos também não escaparam, ao verem a fiscalidade agravada em 1,5 pontos percentuais, uma medida que será tomada já este ano.
5. Corte nas fundações
O Governo quer reduzir, transferir ou cessar os apoios a fundações e entidades. Os nomes das fundações a extinguir estão a ser estudados e serão detalhados esta quinta-feira em Conselho de Ministros. No início do ano, todas as fundações foram sujeitas a um censo obrigatório cujas primeiras conclusões foram conhecidas no início de agosto. À data, o Executivo anunciou que pretende extinguir dezenas de fundações para cortar entre 150 milhões e 200 milhões de euros por ano, cerca de metade do apoio financeiro concedido.
O que o Governo explicou mal
1. Executivo vai controlar empresas
A poupança que as empresas vão fazer com a descida da TSU em 5,75 pontos percentuais vai ser monitorizada pelas autoridades pois "ficará numa rubrica contabilística" própria. Em entrevista ontem à noite à SIC, Vítor Gaspar explicou que "haverá um mecanismo que colocará estas poupanças numa conta de forma a ser garantido que estes recursos ficam na empresa e que não são distribuídos aos seus acionistas e proprietários". "Haverá um fortíssimo desincentivo a que isso aconteça", prometeu. Só não explicou como irá funcionar.
2. Mais IRC, menos deduções
O Governo pretende acrescer o esforço junto das grandes empresas e, tal como é referido no memorando de entendimento, introduzir alterações em sede de IRC. Serão introduzidas alterações para aumentar a base de incidência e a limitação das deduções dos encargos financeiros excessivos, mas ainda não foram referidos valores. Fica por saber de que forma as grandes empresas irão devolver ao Estado o valor que poupam com a redução da TSU.
3. Bens de luxo mais taxados
Os carros de alta cilindrada, os barcos de recreio e os aviões para uso particular vão sofrer um "aumento significativo da tributação", depois do aumento fiscal registado em 2012. O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, disse ontem que o "Governo está fortemente empenhado em garantir que os sacrifícios serão repartidos por todos" e como tal anunciou "um novo aumento significativo da tributação sobre bens de luxo como os "veículos ligeiros de alta cilindrada, a embarcações de recreio e as aeronaves de uso particular". Como? Quanto? O ministro não detalhou.
4. Mais privatizações
As vendas da TAP e da ANA serão concluídas ainda este ano. No primeiro semestre será a vez da área dos resíduos da Águas de Portugal (EGF), dos CTT e da CP Carga. O Governo pretende alargar o programa de privatizações porque "as já realizadas demonstraram o elevado interesse de investidores internacionais, o que nos dá confiança para um novo ímpeto nesta dimensão". No entanto, neste caso o ministro foi vago, dizendo apenas que estavam "a analisar a possibilidade de venda de outras empresas públicas". Mais certezas teve no que respeita às privatizações já em curso. O interesse revelado na TAP e na ANA "tem sido forte", disse Gaspar.