A entrega a privados da gestão de dados pessoais, classificados ou do âmbito da defesa e segurança nacional, levanta dúvidas constitucionais, defendem os constitucionalistas Bacelar Gouveia e Guilherme da Fonseca, que questionam os efeitos na vida privada dos cidadãos.
"Pode ser inconstitucional na medida em que se pode refletir na vida privada dos cidadãos", disse hoje à Lusa o juiz conselheiro do Tribunal Constitucional Guilherme da Fonseca, também especialista em direito administrativo.
Segundo adiantou, a avançar uma eventual entrega a empresas privadas da gestão de dados da administração pública, isso só poderá ser feito "com o acompanhamento da Comissão Nacional de Proteção de Dados".
Já Bacelar Gouveia, professor de Direito e ex-presidente do Conselho de Fiscalização do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), entende que é preciso ter em conta a natureza dos dados.
Apesar de defender que a entrega da gestão dos dados a empresas privadas, só por si, não constituiu uma inconstitucionalidade, desde que as empresas se comprometam a manter as mesmas regras de confidencialidade observadas pelo Estado.
Nestas condições, a gestão por privados, na opinião de Bacelar Gouveia, não seria mais que "apenas a contratação de um serviço".
"Agora penso que essa regra não é válida para todo o tipo de dados, porque há dados mais sensíveis do ponto de vista da segurança nacional, da saúde das pessoas, dados pessoais que têm a ver com identidade e privacidade. Em relação a esses dados penso que, se o armazenamento for transferido para uma entidade não pública, se podem colocar questões de inconstitucionalidade", disse.
Para Bacelar Gouveia, no entanto, há outros dados menos "sensíveis" - de natureza económica, sobre contratos públicos ou aspetos de funcionamento da administração pública, por exemplo -- em relação as quais pensa que não se põem essas dúvidas.
O constitucionalista acredita que nestes casos a legalidade fica salvaguardada se as empresas privadas garantirem no contrato que não vão destruir os dados e que os vão proteger.
"Aliás, esses serviços privados já existem na administração pública. Os computadores são comprados e mantidos por serviços privados de tecnologias de informação e comunicação. Penso que é preciso é distinguir a natureza desses dados, que a questão tem que se colocar nestes termos", reiterou.
O Diário de Notícias avançou na segunda-feira que o Governo está a desenvolver um estudo no qual admite que bases de dados com informações classificadas possam ser centralizadas e guardadas por uma entidade privada.
Na sequência dessa notícia, a deputada independente do PS Isabel Moreira pediu ainda na segunda-feira a presença urgente do ministro Miguel Relvas no Parlamento para esclarecer se é verdade que o Governo admite entregar a privados a infraestrutura informática de informações classificadas.
Entretanto, o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, já disse, no parlamento, que a situação dos arquivos do seu ministério não foi discutida e que "não está previsto absolutamente nada" sobre uma eventual entrega desta documentação a entidades privadas.
Também o presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP) considerou um "completo absurdo" o eventual controlo de bases de dados da Administração Pública por privados, sublinhando que "poria em perigo" segredos do Estado.