Em fevereiro de 2011, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou 2013 como o Ano Internacional das Nações Unidas para a Cooperação pela Água (Resolução A/RES/65/154).
A Declaração, de um lado, salienta a importância da água para um desenvolvimento sustentável e para a erradicação da pobreza e da fome e, do outro, afirma a preocupação existente com os progressos demasiado lentos e desiguais em atingir a meta de diminuir
para metade a proporção da população sem acesso a água potável até 2015, conforme acordado na Declaração do Milénio (A/RES/55/2). O objetivo é que durante 2013 se desenvolvam iniciativas que permitam partilhar, disseminar e debater ideias sobre a forma de aumentar a cooperação sobre questões hídricas num esforço para melhor responder aos desafios colocados pelo aumento da procura relativa ao acesso, utilização e serviços de água. Cerca de 886 milhões de pessoas ainda não têm acesso a água potável e 1,5 milhões de crianças com idade inferior a cinco anos morrem anualmente devido a doenças transmitidas pela água (A/RES/64/292), sendo que a maior parte destas pessoas vive em países em desenvolvimento.
No entanto, hoje, esta questão é tão premente nos países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos: os primeiros necessitam de recursos financeiros para construir os sistemas de captação, tratamento e distribuição de água; e os segundos também necessitam de fundos para renovarem e manterem os seus sistemas. As situações de partida são claramente distintas, mas o que está em causa é idêntico: assegurar o direito ao acesso a água potável. Com a crise económica e financeira atual, as consequências sociais incluem a suspensão do abastecimento de água por falta de pagamento. Em Portugal, como em muitos outros países, estes números são meras estimativas. Ainda assim, durante 2012, essas estimativas apresentadas por diferentes meios de comunicação social referem que “só em seis cidades, Viana do Castelo (800), Braga (213), Aveiro (200), Lisboa (1027), Coimbra (300) e Olhão (365), há perto de 3000 famílias que todos os meses ficam sem água” (Jornal de Notícias, 17/07); ou que, só no Porto, 3000 casas ficam sem água, todos os meses (Visão, Novembro, n.º 1029). Estamos a falar, só com base nestas estimativas, de cerca de 6000 famílias cujo abastecimento de água potável é cortado por falta de pagamento cada mês. No Brasil, em 2008, num município do Estado da Bahia, uma lei que autorizava a suspensão do fornecimento de água potável em virtude da falta de pagamento foi considerada inconstitucional por “violar a dignidade da pessoa humana” (Revista Jurisprudência, 19/05).
O Ano Internacional para a Cooperação pela Água constitui, pois, uma oportunidade única para se discutir o modelo de governação hídrico que está a ser reorganizado nos nossos países e se criarem dinâmicas de recuperação do “papel central do Estado no sentido de assegurar água potável segura, limpa, acessível e ‘em conta’ para toda a população” (A/RES/64/292).
Paula Duarte Lopes
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Editorial da Newsletter "CESemCENA", n.º 22 de Janeiro de 2013. Documento (aqui)
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