Trabalhadores do Estado vão ficar com menos dinheiro na carteira. Mas têm a garantia de que ficarão melhor do que estavam em Janeiro.
A partir de Setembro, o Governo espera reintroduzir cortes salariais idênticos aos de 2011, mas os trabalhadores do Estado, ao contrário do que seria de esperar, não voltarão a ter no bolso um salário igual ao que recebiam nesse ano. Só com o aumento dos descontos da ADSE, os trabalhadores vão perder 2% do seu rendimento em termos reais. E se levarmos em conta a inflação, a perda é de 6,8%. A única garantia que têm é a de que ficarão melhor do que estavam em Janeiro de 2014.
Os deputados da maioria deverão aprovar esta sexta-feira a proposta de lei que estabelece os mecanismos das reduções remuneratórias temporárias e as condições da sua reversão no prazo máximo de quatro anos. O acórdão do Tribunal Constitucional que chumbou os cortes salariais que estavam em vigor, abria a porta a esta solução, mas é quase certo que os juízes voltarão a pronunciar-se sobre o assunto.
De acordo com os cálculos feitos pelo PÚBLICO, só o aumento dos descontos para a ADSE (o subsistema de saúde dos funcionários públicos) levará a uma perda de 2% no salário face a 2011, percentagem que sobe para 6,8% se se levar em conta o efeito da inflação sobre o poder de compra dos funcionários públicos.
Esta quebra no rendimento apenas contabiliza os descontos para a ADSE, que passaram de 1,5% em 2011 para 3,5% em Setembro de 2014. Se tivermos em conta o agravamento da carga fiscal e a redução do pagamento do trabalho extraordinário, o corte será superior.
Já em comparação com Janeiro deste ano, a reposição dos cortes de José Sócrates (redução de 3,5% a 10% para quem recebe um salário bruto acima de 1500 euros) acaba por constituir uma melhoria de cenário para os funcionários do Estado, mesmo levando em conta o agravamento dos descontos para a ADSE (que passaram de 2,5% entre Janeiro e Abril, para 3,5% a partir de Maio). Principalmente os que têm salários mais baixos, uma vez que o corte chumbado pelo TC retirava entre 2,5% a 12% às remunerações acima de 675 euros.
Quem recebe 1000 euros brutos por mês não terá qualquer corte salarial, quando em Janeiro tinha um corte de 4,8%. Salários de 2000 euros verão a taxa de corte reduzir-se de 12% para 3,5%, o que representa mais 8,5% no final do mês. Nas remunerações mais elevadas, de 4000 euros, por exemplo, a taxa de redução passa de 12% para 9,8%, o que representa um ganho de 1,5%.
Neste momento, os funcionários públicos estão a receber o salário sem qualquer corte, por causa do chumbo do TC. Na quinta-feira, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, atribuiu o crescimento da despesa pública até Junho à reposição dos salários dos funcionários públicos, na sequência da declaração de inconstitucionalidade das reduções que vigoravam desde Janeiro, e ao pagamento do subsídio de férias.
A expectativa do Governo, adiantou o governante, é que as “novas” reduções salariais entrem em vigor em Setembro.
O diploma que será aprovado esta sexta-feira prevê ainda a reposição de 20% dos cortes em 2015, algo que deverá repetir-se nos quatro anos seguintes, de acordo com as disponibilidades orçamentais.
Os deputados da maioria deverão ainda dar luz verde às medidas que vão substituir a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) a partir de 1 de Janeiro de 2015. A “reforma intercalar” da Segurança Social, como a classificou na semana passada o secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, cria uma Contribuição de Solidariedade que será permanente e retira entre 2% e 3,5% às pensões acima de 1000 euros. Ao mesmo tempo as contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social passam de 11% para 11,2% e a taxa normal do IVA de 23% para 23,25%.
Depois da aprovação final, cabe à comissão parlamentar de Orçamento e Finanças fixar a redacção final dos dois diplomas. De acordo com o deputado do PSD Duarte Pacheco, o tema esteve em cima da mesa na reunião agendada para a tarde de quinta-feira e que ao início da noite ainda continuava. Os deputados deveriam decidir se a redacção final será feita esta sexta-feira, após o plenário, ou na próxima semana.
Por outro lado, o prazo de reclamação da redacção final pode ser encurtado, no plenário desta sexta-feira, de três para um dia (se assim for aprovado) e isso determinará o dia em que os diplomas seguirão para Belém. O mais provável é que isso aconteça durante a próxima semana.
À espera de Belém
Logo que os diplomas entrem nos serviços da Presidência da República, Cavaco Silva tem depois oito dias para pedir a fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma que repõe os cortes nos salários da função pública em vigor entre 2011 e 2013 e do diploma que cria a Contribuição de Sustentabilidade que, a partir de 2015, irá substituir a Contribuição Extraordinária de Solidariedade.
O primeiro-ministro voltou a afirmar esta semana que o Governo vai enviar proximamente uma carta ao Presidente da República expondo os motivos pelos quais pretende que ele suscite a fiscalização preventiva de normas orçamentais relativas aos salários e às pensões.
"Precisamos de dar aos portugueses uma certa estabilidade, para que eles saibam com o que é que contam, para não andarmos todos os anos a mexer nos impostos e a mexer nos rendimentos, de tal maneira que as pessoas fiquem sem saber com aquilo que podem contar", argumentou.
Na sequência de um novo chumbo do TC a várias normas orçamentais, a 30 de Maio, o Governo anunciou que iria acelerar a aprovação de diplomas relativos às pensões e aos salários para que a sua constitucionalidade fosse clarificada de imediato.
Caso Cavaco Silva faça a vontade ao Governo, o TC terá 25 fias para tomar uma decisão. Entretanto, os juízes estão a apreciar o Orçamento Rectificativo, documento que agrava a base de incidência da Contribuição Extraordinária de Solidariedade e aumenta os descontos para a ADSE e para os subsistemas do militares e das forças de segurança.