Câmaras da Área Metropolitana de Lisboa pedem ao Provedor que requeira a inconstitucionalidade da lei que obriga Governo a participar na negociação dos acordos colectivos das autarquias. Cascais e Mafra ficam de fora.
A polémica em torno dos acordos colectivos que mantêm a semana de 35 horas nas autarquias poderá chegar ao Tribunal Constitucional (TC). Dezasseis dos 18 presidentes de câmara da Área Metropolitana de Lisboa vão subscrever um pedido ao Provedor de Justiça para que este requeira a inconstitucionalidade do artigo da lei geral do trabalho em funções públicas, que determina a participação do Ministério das Finanças nas negociações dos acordos nas autarquias. Só os municípios de Cascais e Mafra, ambos liderados pelo PSD, ficam de fora.
A informação foi confirmada ao PÚBLICO pelo presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa, o socialista António Costa, de quem partiu a iniciativa e a ideia de congregar apoios em torno dela. Segundo o autarca, 16 presidentes de câmara já manifestaram a concordância com o documento, estando a ser recolhidas as suas assinaturas. A expectativa de António Costa, que assinou um acordo colectivo (ACEP) com os sindicatos em meados de Janeiro, é que o pedido ao Provedor de Justiça possa ser entregue ainda esta quarta-feira.
As câmaras de Lisboa, Amadora, Montijo, Odivelas, Sintra, Vila Franca de Xira (todas do PS), as de Almada, Seixal, Alcochete, Barreiro, Moita, Loures, Palmela, Sesimbra, Setúbal (todas do PCP) e de Oeiras (independente) são aquelas que irão subscrever o documento. Os presidentes social-democratas dos municípios de Mafra e de Cascais optaram por não o fazer.
O presidente do Conselho Metropolitano de Lisboa, que é também presidente da Câmara de Lisboa e candidato a líder do PS, defende que, atendendo ao princípio de autonomia do poder local, os municípios não podem deixar de ter “liberdade de gestão e de contratação de recursos humanos”. E “liberdade de fixar horários”, acrescentou António Costa ao PÚBLICO, sublinhando que não faz sentido que uma câmara possa contratar ou despedir uma pessoa, mas não determinar o seu horário de trabalho.
Em causa está o artigo 364 da Lei 35/2014 na parte que determina que o Ministério das Finanças deve ser parte da negociação dos ACEP. O problema é que este diploma tem como destinatária a Administração Central e as autarquias contestam a interpretação que é feita pelo Governo (à luz do parecer da Procuradoria-Geral da República) “no sentido de impor a participação do membro do Governo responsável pela área das Finanças e da Administração Pública na negociação e na celebração dos acordos colectivos de entidade empregadora pública entre as autarquias locais e os seus trabalhadores”. Algo que - referem os autarcas na exposição que fazem ao Provedor de Justiça, e a que o PÚBLICO teve acesso - viola o princípio da autonomia do poder local consagrado na Constituição da República.
A iniciativa foi confirmada por municípios como Loures, Barreiro, Almada e Oeiras, que estão entre as que assinaram ACEP com os sindicatos e têm um horário semanal de 35 horas (em vez das 40 previstas na lei), mesmo sem que os acordos tenham sido publicados em Diário da República.
Também o Sindicatos dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap), já tinha pedido a intervenção do Provedor de Justiça, José de Faria Costa.
Cascais fora da iniciativa
Fora desta iniciativa está a Câmara de Cascais, liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras. O autarca confirma que recebeu uma carta de António Costa “que ensaia uma posição concertada das autarquias” no que respeita aos ACEP, porém Cascais não vai aderir.
“Como a Câmara de Cascais desenvolveu um processo de uma natureza completamente distinta, na profundidade, inovação e abrangência, sempre no escrupuloso cumprimento da lei, não faremos parte dessa iniciativa”, justificou ao PÚBLICO. Cascais fez uma reestruturação dos serviços que tinha como base as 35 horas semanais e entende que não faz sentido pôr os trabalhadores a fazer mais cinco horas por semana.
Mas o facto de não aderir não significa que Carlos Carreiras concorde com a forma como o Governo tem conduzido todo o processo e exige a rápida publicação do acordo que assinou com vários sindicatos em Fevereiro.
Depois de o Governo ter homologado o parecer da PGR, Carlos Carreiras assegura que não foi contactado pelo executivo, ao contrário do que já aconteceu com outras câmaras e juntas de freguesia . Na segunda-feira, o autarca tomou a iniciativa e enviou uma carta à ministra das Finanças onde reitera que a autarquia convidou o Governo a participar nas negociações e lamenta a ausência de resposta a esse convite.
Na carta a que o PÚBLICO teve acesso, o autarca questiona Maria Luís Albuquerque sobre os pontos do ACEP com que não está de acordo “para que se possa tentar uma eventual reabertura do processo negocial”. E alerta que está nas mãos do Ministério a tomada de uma decisão para a aplicação “urgente” do ACEP em Cascais.
Um ano de impasse
Em Setembro do ano passado entrou em vigor um diploma que aumenta o tempo de trabalho no Estado de 35 para 40 horas semanais, deixando em aberto a possibilidade de os organismos públicos negociarem com os sindicatos horários inferiores. Foi o que fizeram centenas de câmaras, juntas de freguesia e outros organismos da administração local.
O problema é que o secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, recusou-se a mandar publicar esses acordos, pedindo um parecer à PGR sobre a participação do Ministério das Finanças neste processo. O parecer chegou em Maio, mas só foi homologado em Setembro pelo Governo, defendendo que as Finanças devem fazer parte do processo negocial.
Na semana passada, o secretário de Estado começou a devolver às câmaras e juntas de freguesia os ACEP, disponibilizando-se para participar no processo negocial. Na prática, isto significa que todos os acordos terão de ser renegociados.
Recentemente, a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) aprovou uma deliberação onde exige que o Governo crie um regime transitório “célere e expedito” que permita resolver, até ao final do ano, a situação dos ACEP que estão no Ministério das Finanças à espera de uma decisão. Pede ainda a definição prévia dos critérios que o Governo irá utilizar quando se pronunciar sobre esses acordos, nomeadamente no que respeita às 35 horas semanais.