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A formiga no carreiro

O ministro da Saúde fez as contas: é impossível reduzir o horário de trabalho sem aumentar a despesa

Amanhã, o ministro das Finanças, Mário Centeno, terá em cima da mesa os relatórios de todos os ministérios sobre o impacto da aplicação das 35 horas semanais de trabalho em cada um dos setores. Há pelo menos dois que, ao que o i apurou, estão a levantar problemas: a Saúde e a Administração Interna.

O objetivo do governo é que a redução do horário de trabalho não traga mais encargos, mas no caso destes dois ministérios parece impossível assegurar os serviços sem fazer mais contratações. E essa é uma linha vermelha traçada pelas Finanças. O impacto orçamental terá de ser nulo para o regresso da semana de 35 horas na função pública. Mas o problema pode ficar para o Orçamento de 2017.

 

Contratos coletivos “Uma das soluções pode passar por fazer depender o horário de trabalho da contratação coletiva, feita ministério a ministério”, admite uma fonte socialista, lembrando que “o programa eleitoral do PS falava da contratação coletiva no setor público.”

Fazer depender o horário de contratos coletivos de trabalho pode fazer com que a entrada em vigor desta medida seja mais lenta, retardando os eventuais efeitos orçamentais que possa ter. No entanto, isso vem pôr em causa a promessa feita por Costa de que as 35 horas na função pública serão uma realidade a partir de 1 de julho. Ou seja, as contas poderão vir a obrigar o primeiro-ministro a ir contra a máxima do seu governo de que “palavra dada é palavra honrada”.

Problema à vista no OE2017 O maior problema ficará, contudo, para o Orçamento do Estado de 2017, altura em que terão de ser acomodadas eventuais subidas de despesa relacionadas com a promessa eleitoral do PS. “Estamos a construir um Orçamento do Estado para 2017 que vai ser muito difícil”, admite fonte socialista.

E essa é uma preocupação. Outro problema está na forma como irão reagir os parceiros de esquerda a este adiar da aplicação de uma medida que BE e PCP queriam ver já em vigor. O assunto é melindroso e faz com que o tema seja evitado ao máximo no governo, onde ninguém quis explicar ou reagir às declarações do ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, que foi ontem ao parlamento admitir que terá de quebrar a regra do impacto orçamental nulo para aplicar a redução de horário laboral no setor que tutela.

Com o ministro das Finanças fora do país, o gabinete não esteve disponível para prestar mais declarações. E apenas o ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), Augusto Santos Silva, veio reforçar a promessa que já tinha sido feita antes várias vezes, primeiro por Centeno e depois por António Costa, de que a medida não terá impacto orçamental.

Na audição sobre o Orçamento do Estado, Santos Silva garantiu que no MNE a redução será possível sem custos adicionais e frisou que esse esforço corresponde “ao compromisso do governo como um todo”, horas depois de Campos Fernandes ter admitido um reforço orçamental para aplicar a medida. “O que está a ser preparado - como resulta do compromisso do governo como um todo - é que a redução se aplique sem que daí decorra uma exigência orçamental adicional”, clarificou o MNE, explicando que no caso do seu ministério a redução será feita através da reorganização do trabalho “com um melhor aproveitamento dos serviços e da carga horária.”

 

Até 80 milhões na saúde No caso da saúde, a necessidade de contratação de enfermeiros para assegurar todos os serviços está estimada entre os 28 e os 40 milhões de euros só este ano, como o ministro da Saúde revelou ontem na Assembleia da República. Os valores podem, contudo, chegar ao dobro, já que Adalberto Campos Fernandes fez as contas para a entrada em vigor a 1 de julho, que é a data com que António Costa se tinha comprometido. Ou seja, estes números são só para “meio ano”, como admitiu o ministro, que revelou estar a “conversar com as instituições” para perceber se será possível “estreitar” esta despesa.

Uma coisa é certa: a simples alteração de turnos não deverá ser suficiente para que a redução do horário de trabalho na saúde não tenha impacto orçamental, já que o levantamento feito no ministério revelou que será necessário contratar mais enfermeiros e assistentes operacionais para fazer face às necessidades criadas pela introdução das 35 horas de trabalho semanais.

Em janeiro, Adalberto Campos Fernandes já tinha admitido que a medida poderia vir a implicar um aumento da despesa no Ministério da Saúde, mas agora o ministro veio quantificar o impacto da medida, explicando que o orçamento que agora apresenta já tem em conta este efeito. Campos Fernandes afirmou que existe uma “folga de 55 milhões de euros” no OE que servirá para acomodar a “eventual e provável necessidade de contratação de mais recursos”.

 

Faltam guardas no MAI Outro ministério onde a simples adaptação de turnos não deverá ser suficiente é o da Administração Interna. A falta de guardas prisionais faz com que seja muito difícil acomodar esta redução de horário de trabalho sem novas contratações, e nas polícias também não deverá ser fácil ajustar as necessidades de serviço a uma redução das horas laborais.

Com os dados todos em cima da mesa, nos relatórios pedidos por Mário Centeno, é a secretária de Estado da Administração Pública e do Emprego, Carolina Ferra, que terá a missão de encontrar uma solução para o problema, garantindo que a redução do horário de trabalho dos funcionários públicos terá um impacto orçamental neutro.

Fonte

O ministro das Finanças lamentou hoje a inexistência de um estudo sobre o alargamento do horário de trabalho na função pública para as 40 horas, reiterando que o regresso às 35 horas terá de ter "impacto global nulo".

Mário Centeno está hoje na Assembleia da República a ser ouvido pelos deputados da comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e pelos da comissão do Trabalho e Segurança Social, no último dia do debate na especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2016 (OE2016).

A deputada do CDS-PP Cecília Meireles interrogou o ministro sobre "onde está a prevista a dotação para fazer face a estes custos", lançando que "sobre esta matéria já se ouviu de tudo e o seu contrário".

Na resposta, Mário Centeno afirmou que "o que está no programa do Governo é que a passagem para as 35 horas é um compromisso assumido com uma determinada condição financeira que é absolutamente transparente e clara: não ter impacto global nas despesas com pessoal".

"O que gostaria de ter encontrado no Ministério das Finanças era um estudo que demonstrasse que as 40 horas pouparam 200 milhões de euros ao Estado. Não existe essa conta, existe essa demonstração", lamentou o governante, sublinhando que a partir de setembro de 2013, quando o número de horas semanais aumentou para as 40, aumentou também o número de horas extraordinária.

Por isso, o governante devolveu a pergunta e quis saber "onde está a relação causal entre o número de horas trabalhadas e os resultados económicos disso" para concluir que "não está" e que "é importante ter instrumentos de gestão da administração pública que não existem".

Mário Centeno afirmou ainda que "Portugal é o país da Europa que trabalha mais horas" e que "homens e mulheres em Portugal trabalham mais de 1.900 horas por ano", o que representa "um diferencial face à Europa Central de mais de 500 horas", estatísticas que utilizou na resposta à deputada centrista Cecília Meireles.

"Se acha que isso não tem impacto nas decisões familiares e nas decisões de natalidade, acho que está enganada. É nosso compromisso político que se ponha ênfase numa gestão da administração pública que garanta essas condições de vida e de trabalho para todos os portugueses", concluiu.

ND/SP // MSF

Lusa/fim

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