A antiga líder do PSD foi a convidada desta terça-feira das Conferências do Chiado. E traçou um “panorama negro” do modo como os últimos Governos, e em particular o de Passos Coelho, lidaram com a administração pública
Manuela Ferreira Leite não tem "pejo" em dizê-lo: as políticas seguidas pelos Governos da República nos últimos oito anos "liquidaram a administração pública": "De 2008 em diante foi a catástrofe". Nem tanto pelas medidas tomadas, explica, mas sobretudo pelo discurso proferido, pelo "sublinhar permanente de que os funcionários públicos são uns privilegiados em relação aos trabalhadores do setor privado".
A crítica vai direitinha ao seu sucessor na liderança do PSD, Pedro Passos Coelho, de quem Ferreira Leite divergiu antes e, sobretudo, depois deste chegar à chefia do Governo, em 2011. "Neste momento temos uma administração pública que não tem nenhum aspeto positivo e apelativo para trazer os melhores. Todos os elementos diferenciadores acabaram, em nome de uma igualdade que não existe", apontou.
Manuela Ferreira Leite era a oradora convidada desta terça-feira das Conferências do Chiado, uma iniciativa do Centro Nacional de Cultura e da Fundação Calouste Gulbenkian. O tema do debate dividia-se em dois: "A crise da administração pública e as responsabilidades irrenunciáveis do Estado". E a abrir a intervenção fez questão de deixar claro: "Se fosse [eu a responsável pela escolha do tema do debate] talvez ficasse pela primeira parte. As responsabilidades irrenunciáveis do Estado não são assim tantas que mereçam um título de uma conferência", explicou.
"ESTRAGOS IRREVERSÍVEIS"
A antiga ministra da Educação de Cavaco, das Finanças de Durão, ex-líder do PSD e candidata (derrotada por Sócrates) a primeiro-ministro nas legislativas de 2009, não tem uma posição dogmática sobre as funções do Estado, pelo contrário: "As funções do Estado são uma opção fundamentalmente ideológica". Entre dois extremos ( "um Estado que considera que quanto mais público houver melhor e outro que acha que o privado resolve tudo"), há uma zona intermédia, com as funções que o Estado não pode deixar de exercer - e que são "muito poucas", defesa, justiça, diplomacia - e aquelas que, dependendo das tais opções ideológicas de cada Governo, pode ou não exercer.
As escolhas dos últimos Executivos, nomeadamente deste último, deram cabo, na sua opinião desassombrada, da administração pública. Em nome de restrições financeiras e económicas, "a política acabou com a administração pública". E os estragos, acrescenta com profunda
convicção, "são irreversíveis". Apesar de "as reversões estarem na moda", "os efeitos da destruição feita vão durar muito tempo". "Foram tomadas medidas cegas, necessárias numa primeira fase. Mas que tenho muita dificuldade em compreender porque se continuou a insistir nelas depois de terem tido o mau resultado que tiveram", afirmou, repetindo uma crítica de que deu nota pública variadíssimas vezes ao longo dos últimos cinco anos.
"EU ACABAVA COM A CRESAP"
No final da intervenção, e em resposta a uma funcionária pública já reformada que expressara dúvidas sobre o mérito da CRESAP, a comissão criada pelo Governo de Passos Coelho para a escolha dos dirigentes da administração pública, Ferreira Leite não poupou nas palavras: "É uma fantochada", concordou a antiga ministra das Finanças. "É uma resposta demagógica à fama instalada de que os dirigentes eram escolhidos partidariamente. Agora não sabe por que [critérios] são escolhidos", acrescentou. Para concluir: "Eu acabava com a CRESAP".
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