A comissão que estuda a reforma da ADSE defende que o Estado não pode desligar-se completamente. Mas a única intervenção que admite é na monitorização do novo modelo.
A comissão mandata pelo Governo para estudar a reforma da ADSE não admite a hipótese de o Estado ter qualquer responsabilidade na gestão do subsistema de saúde dos funcionários públicos.
Em reação ao relatório preliminar conhecido esta semana, e a sua proposta de criação de uma associação mutualista para gerir a ADSE, a Federação de Sindicatos da Administração Pública rejeitou a ideia e defende «um modelo de gestão e financiamento partilhado entre o Estado, as entidades empregadoras públicas e os beneficiários». A comissão, liderada pelo economista Pedro Pita Barros, apresenta três opções, mas a gestão partilhada não está em cima da mesa. Na análise dos peritos, «é consensual que o Estado não se poderá desligar completamente da ADSE», mas a intervenção deve ser remetida apenas para a «monitorização» do modelo que vier a ser criado.
Governo e peritos em silêncio
O relatório está em discussão pública até 14 de junho e é suposto este dossiê conhecer novos avanços no final do mês. Até lá, nem o Governo nem a equipa de peritos tece comentários.
A versão preliminar do relatório apresenta, contudo, cenários com algumas diferenças. Na sequência das recomendações do Tribunal de Contas – que em 2015 recomendou ao Governo que diligenciasse a alteração do regime jurídico que regula o esquema de benefícios da ADSE, de modo a que «ficasse claro» que esta só é financiada pelos descontos dos quotizados e não pelos empregadores – os peritos identificaram três opções para cumprir o objetivo de «retirar ao espaço orçamental das contas do Estado os riscos inerentes à gestão da ADSE».
A que opção que consideram a mais favorável é a criação de uma mutualização, em que os associados passam a ser responsáveis pela gestão. Neste capítulo, adiantam que a gestão poderá ser direta ou indireta: os associados optariam por contratualizar a gestão com um grupo privado. «Poderiam contratar uma operadora de seguros de saúde privada para gerir a ADSE», lê-se no relatório, que sugere que o contrato poderia ser atribuído através de concurso, repetido com regularidade. A comissão adianta mesmo que «é provável que concorressem grupos nacionais e internacionais».
Extinguir ou passar a privados
As outras duas opções são, por um lado, a extinção da ADSE e, por outro, a passagem direta para uma seguradora, desligando-se por completo o Estado do esquema de benefícios atribuído aos funcionários públicos desde 1963.
Os peritos explicam que a opção de extinguir a ADSE implicava o fim das contribuições dos trabalhadores e o fim dos acessos a benefícios de saúde. No relatório, lê-se que esta opção é descartada porque «implica um julgamento sobre a utilidade ou não da existência da ADSE que caberá aos beneficiários».
Em relação à passagem da carteira de titulares e beneficiários da ADSE a uma entidade especializada, os peritos consideram que as vantagens em relação à opção de mutualização não são óbvias, mas argumentam de forma idêntica: decidir por aí seria «usurpar uma decisão que eventualmente caberá aos titulares da ADSE». Destacam ainda outro aspeto a ter em conta: passando tudo para uma seguradora, o excedente que viesse a verificar-se numa ADSE financiada apenas pelas contribuições dos beneficiários passaria a ser lucro da entidade privada. De qualquer forma, e para rematar o assunto, assinalam que a transição de mútua para uma entidade privada seria mais fácil do que o caminho inverso, pelo que recomendam a opção mais flexível.
Há uma outra ideia que fica nas entrelinhas, embora não seja concretizada como opção. Toda a análise, segundo os peritos, deve ser feita no pressuposto de que a ADSE é um produto das relações entre o Estado e os seus trabalhadores e não um problema de organização do sistema de Saúde. Reconhecendo que se trata da relação laboral, os peritos consideram que a discussão da saída do perímetro do Orçamento do Estado não se pode alhear da preocupação em assegurar que a ADSE continua a existir a médio e longo prazo.
É num ponto prévio a esta constatação que parece haver uma quarta opção: refere-se que a discussão é sobre se os funcionários devem ter, ou não, este complemento salarial. E, em caso afirmativo, porque deve ser atribuído em espécie (cobertura de saúde) e não em termos monetários, «dando a liberdade aos trabalhadores públicos de utilizarem esse complemento salarial da forma que melhor entendam». Parece ficar subjacente que um aumento salarial também poderia ser encarado.
O SOL sabe que os peritos estão a trabalhar no documento para que a versão final fique mais clara nas diferentes questões abordadas. Uma delas é a afirmação de que deverão passar a ser beneficiários da ADSE todos os trabalhadores com contratos superiores a seis meses.
Números não batem certo
Alguma imprensa avançou esta semana que estará em cima da mesa alargar a ADSE a funcionários com contratos de funções públicas a termo, dizendo estarem em causa 100 mil trabalhadores e uma injeção de 90 milhões de euros. Estes números, porém, não surgem no relatório e não batem certo com os precários contabilizados pela Direção-Geral do Emprego Público (75.784 em março).
Segundo o SOL apurou, a proposta da comissão visa abranger todos os trabalhadores permanentes do Estado num sentido prático e não legal, daí ser fixado o limite de seis meses – e, portanto, incluindo também os 115 mil com contratos individuais de trabalho ou mesmo prestadores de serviços com caráter regular.
Quanto a outros alargamentos também propostos pela esquerda, como a cônjuges e filhos até aos 30 anos, a comissão não faz qualquer proposta. Decisões sobre o alargamento a mais titulares e alterações nas contribuições caberão à entidade que vier a ser criada, conclui.