Possibilidade de despedimento desaparece da lei. Sistema de "valorização profissional" entra em vigor até ao final do ano.
O Governo vai substituir o polémico sistema de requalificação por um regime de “valorização profissional” dos trabalhadores que não têm lugar nos serviços e organismos públicos. Esse novo mecanismo dará prioridade à formação – de modo a que os funcionários possam reiniciar funções “num curto espaço de tempo” –, mas quem não conseguir colocação noutro serviço no prazo de nove meses sofrerá um corte salarial de 40%. As linhas gerais do novo mecanismo de mobilidade da função pública foram apresentadas nesta terça-feira aos sindicatos pela secretária de Estado da Administração Pública, Carolina Ferra, e serão integradas num projecto de diploma até ao final da próxima semana.
“É proposto que no novo regime de valorização profissional sejam aplicados planos de formação aos trabalhadores para reforço das suas competências durante três meses, eventualmente seguidos de até mais seis meses para reajustamento de competências profissionais, sempre tendo em vista o reinício de funções em serviços onde haja necessidades de pessoal, sem perda de remuneração em ambos os casos”, explicou ao PÚBLICO fonte oficial do Ministério das Finanças.
Isto significa que, ao contrário do que acontece actualmente, durante o período de formação os funcionários públicos manterão o seu salário base. Só passados os nove meses de formação, se não encontrarem colocação, terão uma redução remuneratória de 40%.
Apesar desta contigência, o Ministério das Finanças preferiu destacar que o novo regime “apenas se aplica na sequência de processos de reorganização de serviços na administração pública e visa acautelar a manutenção do vínculo de emprego público e o célere reinício de funções pelos trabalhadores”. A expectativa do Governo é que, após a negociação com os sindicatos e a discussão do diploma na Assembleia da República, o novo regime entre em vigor “até final do ano”.
Actualmente, a requalificação está dividida em dois momentos. Numa primeira fase, que dura 12 meses, os trabalhadores têm um corte salarial de 40% e devem receber formação para que possam ser integrados noutros organismos. Passado esse tempo, e caso não encontrem lugar no Estado, passam a uma segunda fase. Se forem funcionários com vínculo de nomeação (ou que tinham vínculo de nomeação e em 2008 passaram administrativamente para o contrato de trabalho em funções públicas) têm um corte salarial de 60% e podem manter-se nessa situação até à idade da reforma. Já os trabalhadores admitidos depois de 2008 correm o risco de despedimento.
Os cortes nos salários continuam a fazer parte do mecanismo agora apresentado, embora sejam atenuados face ao modelo em vigor. Um trabalhador considerado excedente fica sujeito a um período de formação profissional, que pode ir até nove meses, e durante o qual manterá a remuneração base. Após este período, “caso não tenha sido obtida uma recolocação, a remuneração poderá ser reduzida em 40%, mantendo-se o esforço de valorização dos trabalhadores, que pode incluir o reforço do nível de qualificação do trabalhador”, refere um comunicado do Ministério das Finanças, divulgado ao início da tarde antes das reuniões com os sindicatos
Serão ainda revogadas duas normas do actual sistema de requalificação muito contestadas. Desaparece a possibilidade de os trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas celebrado após 2008 serem despedidos. Na prática, explicou fonte oficial das Finanças, "é eliminada a cessação do contrato de trabalho em funções públicas, por não reinício de funções". É também revogada a possibilidade de se abrir um processo de racionalização de efectivos por motivos de desequilíbrio económico e financeiro dos serviços, “que acrescia às causas gerais de reorganização dos serviços, por extinção, fusão e reestruturação, que se mantêm”.
O INA (Direcção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas) assumirá um papel central na condução dos processos de reorganização dos serviços, sobretudo para agilizar as situações de mobilidade voluntária ou a integração das pessoas em postos de trabalho previamente identificados “com base numa plataforma electrónica desenvolvida para o efeito”. Paralelamente, o Governo equaciona alterar os incentivos à mobilidade territorial para postos de trabalho que se situem a mais de 60 quilómetros do local de residência.
Regime excepcional para quem está em requalificação
A proposta inclui um “regime excepcional” para os trabalhadores que estiverem em requalificação na data de entrada em vigor do novo mecanismo, desde que tenham 60 ou mais anos e estejam há mais de três anos à espera de reiniciar funções. Neste caso, ficam “desonerados dos deveres do referido regime até que completem a idade legal da reforma ou aposentação”, nomeadamente serem opositores em determinados concursos.
Os dados mais recentes dão conta de 574 trabalhadores (oriundos de 11 ministérios) em requalificação no final de Abril. Em média estas pessoas estavam em inactividade há seis anos, ou seja, foram dispensados dos serviços em 2010, na última legislatura de José Sócrates, e nunca conseguiram voltar a trabalhar no Estado de forma definitiva.
A proposta de revisão da requalificação corre o risco de não agradar a todos os sindicatos. Segundo o dirigente da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap) José Abraão, perante as necessidades de pessoal existentes no Estado, a federação “nunca aceitará um sistema que envie os trabalhadores para casa com cortes salariais”. “Reforce-se a formação e os sistemas de mobilidade”, propõe, lembrando que também a requalificação foi apresentada pelo anterior Governo como um sistema eficaz e que apostaria na formação. "E deu no que deu”, remata.
Antes de entrar para a reunião, também Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum, contestava a manutenção dos cortes nos salários.
Só o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) deu o benefício da dúvida ao Governo e considerou positivas as revogações anunciadas. Maria Helena Rodrigues, presidente do STE, destacou também como positivo o facto de os trabalhadores não terem corte salarial logo no início do processo e saiu do encontro com a certeza de que nos primeiros três meses, os trabalhadores poderão frequentar "formação profissional em contexto de trabalho". Nos seis meses seguintes, acrescentou, caso não tenham encontrado colocação, serão integrados em programas de formação de adultos para melhorar a sua qualificação escolar.
A requalificação foi criada pelo Governo de Passos Coelho/Paulo Portas para substituir a mobilidade especial aprovada durante o primeiro mandato de José Sócrates. O sistema esteve debaixo de fogo por causa do processo desencadeado no final de 2014 no Instituto de Segurança Social, o que levou à dispensa de mais de 600 trabalhadores.Uma parte dessas pessoas acabou por voltar aos serviços de origem, numa decisão tomada já pelo actual Governo.
Notícia actualizada com esclarecimentos do Ministério das Finanças