A partir do próximo dia 20, os funcionários públicos começam a receber o salário de Outubro sem qualquer corte. Contudo, terão um ordenado muito inferior ao que recebiam em 2010. A perda é, no mínimo, de 10%.
Apesar da reposição total dos salários este mês, os funcionários públicos vão continuar a receber um ordenado líquido muito inferior ao que recebiam em 2010 e só aumentos acima dos 13% em 2017 poderiam colocar os salários de Outubro no mesmo patamar dos praticados há seis anos.
As contas são da consultora PricewaterhouseCoopers, cujas simulações feitas para o PÚBLICO permitem verificar que esta é uma conclusão transversal a todos os casos analisados (ver infografia mais abaixo).
Por exemplo, um funcionário público casado com um dependente a cargo, que em 2010 tinha um salário bruto de 1600 euros, recebia efectivamente 1168 euros. Quando agora lhe cair na conta o salário de Outubro, já depois da eliminação total dos cortes, com o mesmo salário bruto receberá apenas 1055,69 euros, o que corresponde a uma diferença de quase 10% face ao salário líquido que tinha em 2016.
Continuando com o caso deste funcionário, e segundo a consultora, só um salário bruto de 1804,68 euros permitiria que o salário líquido igualasse, no próximo ano, o que recebia em 2010. Ou seja, seriam precisos mais 204,68 euros, o equivalente a um aumento de quase 13% em 2017.
O exemplo mais extremo simulado pela PwC é o de um funcionário casado com um dependente a cargo. Neste caso, o funcionário público, que em 2010 tinha um salário bruto de 4000 euros, recebia efectivamente 2520 euros. Este mesmo funcionário, quando receber o salário de Outubro já sem cortes, apenas receberá 2142,14 euros, menos 14,99%. E para que em 2017 recebesse um salário igual ao de 2010, teria de receber mais 817,54 euros, um aumento de 20,44%.
Com base nestas simulações, a PwC, numa nota enviada ao PÚBLICO, conclui que em 2016, mesmo depois da reposição dos salários, “a remuneração líquida mensal é, em todos os casos, inferior à de 2010”, uma diminuição que varia com o nível de rendimento e, nos exemplos apresentados, “oscila entre cerca de 10% a 15%”.
Um corte que é explicado, segundo a PwC, pelo efeito combinado do “aumento das taxas gerais de IRS [o “enorme” aumento de impostos de 2013], reflectido nas taxas mensais de retenção”, pela “sobretaxa de IRS, que não existia em 2010”, pela “subida da taxa de contribuição para a Caixa Geral de Aposentações de 10% para 11%” e pela “subida da taxa de contribuição para a ADSE de 1,5% para 3,5%”.
Muitas destas medidas afectaram igualmente os funcionários com salários brutos inferiores a 1500 euros e que, por isso, não foram afectados pelos cortes, mas que viram os seus rendimentos reduzir-se, embora numa dimensão menor. No sector privado, o aumento de impostos também penalizou os salários e o bloqueio da contratação colectiva impediu actualizações que permitissem alguma compensação.
Nas simulações da consultora, designadamente para as simulações referentes a 2017, levou-se em linha de conta que, tal como previsto, não haverá sobretaxa de IRS no próximo ano (assumiu-se que a eliminação da sobretaxa tem efeitos imediatos a partir de Janeiro). Por outro lado, os cálculos da consultora não levam em linha de conta os efeitos da inflação e, como tal, a perda de poder de compra decorrente da subida dos preços.
A partir do próximo dia 20 começam a ser pagos os salários de Outubro aos funcionários públicos sem qualquer corte, o que acontece pela primeira vez desde 2011.
Para 2017, e apesar das reivindicações das centrais sindicais, não deverá haver aumentos dos salários na função pública, embora possam existir ajustamentos pontuais. Uma das ideias em cima da mesa, tal como noticiou o jornal i, passa pelo aumento do subsídio de refeição, congelado nos 4,25 euros desde 2009.
Na entrevista dada ao PÚBLICO, o primeiro-ministro, António Costa, lembrou que em Outubro fica concluída a "reposição integral dos salários" dos trabalhadores que ganham acima de 1500 euros mensais (valor ilíquido), o que significa que, “em 2017, os funcionários públicos vão ganhar durante 14 meses o que ganharam só durante três meses deste ano”. Em 2018, lembrou, é intenção do Executivo “retomar as actualizações, bem como encarar questões de fundo relativamente às carreiras”.
Na recta final das negociações do Orçamento do Estado (OE) para 2017, os partidos que apoiam o Governo no Parlamento são parcos nas palavras. Joana Mortágua, deputada do BE que acompanha as questões da Administração Pública, lembra que em 2016 “houve uma atenção particular dada aos funcionários públicos”, com a reposição dos salários, o fim da requalificação e a recuperação da semana de 35 horas, tal como estava previsto no acordo assinado com o PS. Quanto ao próximo ano, não concretiza as medidas específicas que poderão avançar. “Estamos a trabalhar num conjunto de medidas mais abrangentes de que os funcionários públicos também vão beneficiar”, referiu em declarações ao PÚBLICO.
O PCP preferiu não se pronunciar sobre o assunto. Contudo, os comunistas defendem um aumento geral dos salários e o descongelamento das carreiras.
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