Primeiro-ministro diz, em entrevista ao PÚBLICO, que só em 2018 serão retomadas as actualizações salariais.
Os sindicatos consideram que não faz sentido manter os salários dos funcionários públicos congelados em 2017 e garantem que essa opção do Governo poderá trazer os trabalhadores para a rua.
As críticas surgem depois de, em entrevista PÚBLICO, o primeiro-ministro, António Costa, ter garantido que não haveria aumentos no próximo ano, lembrando que em Outubro ficará concluída a "reposição integral dos salários" dos trabalhadores que ganham acima de 1500 euros mensais (valor ilíquido).
"Significa que em 2017 os funcionários públicos ganharão durante 14 meses o que ganharam só durante três meses deste ano. É sabido que o nível de inflação está baixo e que em 2018 temos previsto retomar as actualizações, bem como encarar as questões de fundo relativamente às carreiras", explicou António Costa.
Esta argumentação não convence Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública. “Começamos mal quando o Governo põe no seu programa eleitoral algumas coisas que depois não cumpre. Os trabalhadores da função pública, desde 2009, que não têm aumentos salariais e desde 2005 que não têm mudança de escalão na carreira profissional", criticou, em declarações à Lusa.
Ana Avoila considerou ser "muito mau" que o Governo siga este caminho, mas mostrou-se esperançada em que o executivo seja "sensível" à matéria e reveja a sua posição.
"Isto, a confirmar-se, vai para o segundo ano que as pessoas não levam nada, e o que acontece é que começam a desmoralizar e a pensar que não valeu a pena. São mais de 600 mil trabalhadores sem aumentos e isto não é brincadeira. É uma classe que se sente muito maltratada", sublinhou.
A coordenadora da Frente Comum antecipou que a função pública "vai, naturalmente, reagir mal" caso a intenção do Governo se venha a confirmar, adiantando que, na semana passada, entregou no Ministério das Finanças a proposta reivindicativa para 2017, que prevê aumentos salariais de 4% e o descongelamento das progressões nas carreiras.
Também o secretário-geral da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (Fesap), Nobre dos Santos, criticou a intenção do Governo, defendendo que deve haver aumentos, pelo menos, para os trabalhadores que ganhem menos de 630 euros.
Citado pela Lusa, o dirigente salientou que os funcionários públicos estão "dispostos a protestar e a lutar para sensibilizar o primeiro-ministro".
"Seria uma injustiça tão grande se não se verificassem aumentos salariais. A Fesap percebe que pode haver por parte do Governo dificuldades em aumentar todos de igual forma, por isso, consideramos que devem ser corrigidos os salários mais baixos, abaixo dos 630 euros", disse.
A FESAP considerou que se o Governo teve sensibilidade para aumentar no próximo ano as pensões, deve também fazê-lo para os salários mais baixos. "Como existe uma preocupação, uma sensibilidade do Governo em manter, procurar melhorar o rendimento das famílias, particularmente dos que ganham menos, seria uma injustiça gritante se houvesse aumento de pensões e isso não se verificasse para os que estão no activo e ganham menos de 630 euros", sustentou.
Também a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE), Helena Rodrigues, vê as afirmações do primeiro-ministro como uma tentativa de condicionar as negociações que ainda nem sequer se iniciaram. “Ainda não iniciámos o procedimento negocial anual. Apresentámos as nossas propostas e agora esperamos a contra proposta do Governo. O primeiro-ministro está a queimar etapas é um comportamento que víamos noutros governos”, criticou.
“Pode ter sido um desabafo ou uma tentativa de condicionar o procedimento negocial”, afirma Helena Rodrigues.
“A nossa proposta fala de um aumento de 2%, o que não implica um aumento real nem a recuperação dos salários. Onde está a prometida devolução de rendimentos”, questiona a dirigente, lembrando que, em 2015, o anteiror Governo criou carreiras especiais novas (no Instituto Nacional de Estatística, no Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais, na Direcção-Geral do Orçamento e na Direcção-Geral do Tesouro), com os correspondentes aumentos salariais.
No Programa de Estabilidade (PE), enviado para Bruxelas em Abril, não estavam previstas verbas para aumentos salariais na função pública ao longo dos próximos anos.
Questionado pelo PÚBLICO na altura, fonte oficial do Ministério das Finanças confirmou que “não está prevista [no Programa de Estabilidade] qualquer verba para aumento salarial para além de medidas de incentivo à produtividade, começando em 2018, e da reposição salarial já em curso”.
O que isto significa é que, depois de concluída a reversão dos cortes salariais no último trimestre deste ano, só em 2018 haverá margem para aumentos, mas apenas para os trabalhadores abrangidos pelo descongelamento das progressões na carreira.