José Abraão, secretário-geral da Fesap, foi o entrevistado desta semana do Hora da Verdade, da Renascença e jornal "Público". O sindicalista tem um caderno de encargos pronto para apresentar à nova ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, que inclui o aumento de salários.
A criação de um ministério da Administração Pública aumentou a expectativa de passarem a ter um interlocutor em vez de serem uma folha de excel nas Finanças. A Fesap quer aumentar salários – todos, entre 3 a 4% -, rever carreiras, vínculos e sistema de avaliação, o que pode ser feito com acordos anuais ou plurianuais. José Abraão, secretário-geral da Fesap (afecta à UGT), diz que o foco da relação com a nova ministra é na negociação – mas é preciso que haja decisões e depressa. O primeiro teste é já o orçamento e se o Governo falhar já há iniciativas “alinhadas” para a luta na rua. Olhando para o lado, o sindicalista prevê que o caminho da CGTP seja uma linha mais dura e ortodoxa.
É dirigente do PS e na primeira reunião da comissão política do partido depois das legislativas pediu a António Costa um ministério para os funcionários públicos. Vai mesmo existir: ficou satisfeito com esta solução?
Na Fesap, como na UGT, sempre considerámos que a administração pública com todas as suas vertentes não deveria depender de uma pasta económica. Desde 2009 não há aumentos salariais, a negociação foi muito ténue, houve programa de ajustamento financeiro... Mais se justificava ainda [um ministério]. Há pequenas medidas fundamentais para o funcionamento dos serviços públicos e para que os trabalhadores ganhem motivação que podem ser tomadas sem que estejamos exclusivamente a negociar com a folha de Excel ao lado.
Mário Centeno liga muito à folha de Excel?
É também uma questão de sensibilidade, mas muitas vezes também pelos objectivos traçados pelos governos ou pelos ministérios das Finanças. O Dr. Mário Centeno sempre teve uma preocupação de contas públicas certas - e nós concordamos - mas também grandes constrangimentos no que diz respeito à despesa com pessoal.
Nesta última legislatura era fundamental que se pudesse ir um pouco mais além. O Governo limitou-se a dizer que ia repor rendimentos e direitos, mas, para nós, como se compreenderá, foi manifestamente insuficiente. Se tivessem ido um pouco mais além se calhar hoje não teríamos tanta falta de recursos humanos em áreas centrais. Em alguns casos houve a tentativa de resolver recorrendo à prestação de serviços externa.
Houve tentativa, mas conseguiu-se alguma coisa?
Não conseguiu, o caso das pensões é a demonstração disso. No passado recorreu-se aos serviços externos e até houve cem trabalhadores que foram para o Centro Nacional de Pensões, mas nem por isso houve melhoria significativa na resposta à atribuição das pensões e muito menos àquelas que têm a ver com contribuições para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações.
Com esta solução de ter o Ministério das Finanças sempre demasiadamente importante , ele terá a tentação de fazer algum controlo das despesas realizadas por outros ministérios. Queremos acreditar que com esta formulação de um ministério próprio para tratar as questões da administração pública, 17 anos depois, pode ser que se faça um outro caminho em torno de questões essenciais.
Por um lado, vamos ver como se pode contribuir para ir abandonando a política dos baixos salários, tornando mais apetecível o emprego público. A questão das carreiras é que é central: há dez anos que temos carreiras que são pluricategoriais, no que respeita àquelas que não foram alteradas, e que nos últimos tempos houve tentativa de as tornar unicategoriais. Isso significa que muitos destes trabalhadores que terão uma carreira plana, se progredirem em função da avaliação de desempenho em média um ponto por cada ano, o que irá resultar é que haverá carreiras e trabalhadores que nunca verão o topo e nem ao meio chegarão. Estar à espera 70 ou 80 anos para chegar ao topo da carreira é de uma violência enorme.
Deposita por isso muitas expectativas nesta ministra? É conhecida por ter sido especialmente dura nas negociações com os professores. Interpreta a escolha precisamente por ser dura a negociar?
Nós temos expectativas relativamente a esta nova equipa no seu conjunto. Tem como ministra a Dra. Alexandra Leitão, tem Fátima Fonseca, Dr. José Couto, gente que conhece bem a administração pública. As negociações são sempre duras.
Mas admite alguma inflexibilidade?
Não, se houver uma predisposição, como creio que vai acontecer, por parte deste ministério para valorizar a negociação colectiva como forma de podermos chegar a compromissos. Sejam eles de natureza a anual ou plurianual em torno dos vínculos, das carreiras, das remunerações, da avaliação de desempenho, da formação profissional. Estou convencido que alguma coisa podemos vir a concertar.
Tendo nós a noção de que as negociações são sempre duras, da nossa parte também temos excelentes negociadores que, com esta equipa, por mais dura que seja e preponderando o bom senso, estou convencido de que poderá haver condições para entendimentos, para compromissos e com resultados. Foi aquilo que durante anos, na verdade, não conseguimos.
Falou em questões anuais e plurianuais. O que prefere nos próximos seis meses - um acordo para progressões e salários para a legislatura, seria mais confortável?
Temos definido entre nós, os 30 sindicatos da Fesap, de que falamos em termos de compromissos sólidos com resultados. Não somos daqueles que querem tudo de uma vez, como muitas vezes se quis fazer passar. Nos serviços públicos precisamos de previsibilidade, de estabilidade, de confiança - que é central e que se pode obter num acordo anual em torno de um conjunto vasto de matérias, mas também num acordo plurianual para a legislatura, à semelhança do que se verificou nos últimos anos em Espanha.
Saber com o que podemos contar é fundamental e decisivo. Isto por si só pode ser um contributo decisivo para tornar o emprego público mais apetecível e podermos recrutar os mais qualificados e os melhores. Se houver sinais de aumentos salariais conforme foi prometido, um acordo que permita resolver o problema das carreiras e as pessoas saberem que não vão estar dez anos à espera para evoluir... Mesmo que nos digam que o actual quadro tem a possibilidade de utilizar opções gestionárias para facilitar a progressão com menos tempo, seguramente que, se conseguirmos estes resultados e se houver alguma retoma de confiança, vamos caminhar num sentido diferente. Porém, sempre com o objectivo central de prestar os melhores serviços aos cidadãos.
Há duas áreas centrais: a do investimento nos serviços públicos e na qualidade dos serviços, para que não tenhamos que acordar todos os dias e ver escolas fechadas pelos pais por falta de pessoal.
Os funcionários públicos são na verdade a cara do Estado.
Digamos que somos aqueles que apanham sempre a primeira pancada.
Tem apanhado muita?
Temos apanhado muita e muito mais a partir do momento em que, no programa de ajustamento financeiro, se procurou diabolizar a administração pública, dizendo que somos todos gente com muitos privilégios. Tentou-se virar trabalhadores contra trabalhadores, públicos contra privados, quando isso não faz sentido absolutamente nenhum. Somos todos trabalhadores; uns são do Estado, outros são das empresas. Não queremos ter mais do que os outros, queremos, isso sim, é que haja negociação colectiva e cujos resultados seja possível negociar, como acontece com o salário mínimo, que ficou fixado em 635 euros para os assistentes operacionais. Foi cumprir o que acontece em muitos sectores, onde o salário mínimo é superior aos 600 euros.
O que está em causa aqui hoje é que a evolução do salário mínimo vem tornando cada vez mais este em salário médio e sobrepondo-se a um conjunto de outras carreiras e salários que têm 25 e 30 anos de serviço e que, com tanta experiência profissional, ganham o mesmo que aqueles que entram hoje. mesmo nos técnicos superiores. Como é que podemos recrutar os melhores, um bom jurista, economista ou informático, com 900 euros líquidos? Não faz sentido.
Sobre as carreiras da educação: vai ser uma das insistências da Fesap com a ministra, que foi a secretária de estado da Educação?
Temos como princípio que nenhum tempo de serviço devia ser apagado da carreira de qualquer trabalhador e, por isso, não são só as carreiras docentes, mas também da área dos registos e notários, justiça. Não vamos desistir que o tempo seja integralmente contado. Há espaço para a negociação? Queremos acreditar que sim.
É por isso que, no conjunto, considerámos que, dez anos depois, com a lei de 2008 de vínculos, carreiras e remunerações, se evoluiu para este modelo de carreiras, queremos que sejam alteradas.
E para serem alteradas, serem mais apetecíveis e garantirem uma progressão que não seja apenas e só resultante da avaliação de desempenho, é preciso que haja disponibilidade do Governo para fazer este caminho.
A lei de há dez anos foi uma grande mudança, mas foi um modelo já pensado para limitar despesa, para travar progressões mesmo que as pessoas tivessem muito mérito. Dez anos depois estamos em condições de partir para uma forma diferente de encarar as carreiras e os vínculos.
Fará algum sentido que se tenha aproximado ao regime laboral comum do código do trabalho as relações laborais na administração pública e, hoje, nos hospitais existam trabalhadores com contrato individual de trabalho, com contrato de trabalho em funções públicas, uns com 40 horas outros com 35?
Daí a vossa proposta de uniformização?
Nós queremos negociar e há casos em que pode haver vínculo único.
E querem negociar até quando? Isso deve ser feito na primeira metade da legislatura ou em toda?
Nós dissemos que não queremos tudo de uma vez. Queremos negociação anual geral nos termos do que está na lei do trabalho em funções públicas. E depois com compromissos que podem ser plurianuais para a legislatura, em que se vão encontrando os caminhos para resolver estes problemas. De outra forma, o grau de destruição a que assistimos, indo até para além da troika, vai demorar tempo a refazer.
Nas carreiras dos professores, António Costa já disse que não vai voltar ao assunto da contagem do tempo de serviço.
Essa é uma negociação que os professores terão que fazer com o Ministério da Educação. Na Fesap também temos sindicatos de professores. Temos a posição de princípio que é fundamental e não podemos perder de vista: todo o tempo de carreira prestado por qualquer trabalhador, seja em que função for, não pode ser apagado. Há condições para repor tudo imediatamente? Eu tenho ouvido alguns sindicatos de professores manifestarem disponibilidade para uma solução como a da Madeira, que resulte de concertação de posições entre o ministério e os docentes.
Temos regiões do país onde não há professores, não só porque não há casas mas também porque as condições salariais são desmotivadoras.
Então que sinal quer já no orçamento de 2020?
Queremos claramente que se cumpra o que várias forças política e o PS disseram: que haveria condições para aumentar salários para todos os trabalhadores. É também a nossa reivindicação e que se sinalize que ficou para trás uma década sem aumentos salariais.
Qual é a fasquia mínima para esses aumentos?
Vamos apresentar o nosso caderno reivindicativo ao primeiro-ministro e à ministra. Há partidos que defendem aumentos em linha com a inflação, ora isso é manifestamente insuficiente. Temos de fazer propostas sérias, responsáveis e com fundamento económico. Por isso, a nossa proposta é somar a inflação, os ganhos de produtividade e a possibilidade de alguma recuperação do poder de compra. Na UGT aprovámos para a negociação colectiva uma banda salarial entre 3 e 4%. Depois é negociação - que não pode ser isolada das carreiras, do tempo de trabalho, da formação profissional, vínculos ou da ADSE.
Na troika passámos de 1,5 para 3,5% e, neste quadro, o que dissemos foi que é preciso garantir sustentabilidade na ADSE. São 1,2 milhões de pessoas, tornou-se praticamente um regime fechado, temos muita dificuldade em inscrever trabalhadores oriundos do PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública).
Apresentámos uma proposta ao Governo em maio do ano passado para a alargar aos contratos individuais de trabalho, para os arrependidos e que querem voltar a entrar. São 80 a 100 mil trabalhadores.
E tem potencial de receitas.
Nós pagamos 3,5%, o que queremos? Que no regime livre melhore o que recebemos quando vamos ao médico.
São, portanto, contra o aumento dos preços.
Na Fesap não estamos disponíveis, em média, a pagar mais do que pagamos hoje, seja no regime livre ou no convencionado, seja até nas nossas contribuições. Também não temos a irresponsabilidade de exigir imediatamente a redução das quotizações.
E abrir a ADSE ao resto dos portugueses?
Não nos parece razoável. Estamos disponíveis para discutir alargamentos, abri-la a todos os portugueses teria que ser enquadrado num âmbito de avaliação do próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS), porque temos a noção exacta de que, no dia em que tivéssemos qualquer coisa - e a ADSE não é um seguro de saúde -, não podíamos ir por aí. Estaria em causa o SNS, que ficaria apenas para quem não pode pagar os 3,5%. A ADSE tem que ser um sistema solidário como hoje: temos 40 mil beneficiários com pensões inferiores ao salário mínimo e que não pagam para a ADSE. Estamos a fazer acção social, quando isso é responsabilidade do Estado. Há muito para discutir e negociar.
Haja vontade de apresentar resultados. Por isso digo: não nos empurrem para a rua. Porque a gente luta quando tem que lutar. Quando há negociação e compromissos não somos irresponsáveis ao ponto de estarmos a negociar por um lado e por outro...
E prevê uma boa abertura para o diálogo por parte do novo Governo?
Por parte do novo Governo sim, porque se alterou toda esta situação que vivemos até agora. Há uma vitória clara do partido que governa, já sem a absoluta necessidade de haver arranjos no Parlamento que permitissem criar as condições para que as coisas pudessem acontecer.
Ficou satisfeito com o fim da geringonça, já não precisa dos arranjos...
É preciso conversar com toda a gente, mas há uma coisa que para mim é fundamental: houve aqui alguma deslocalização, retirando algum enfoque ao que deve ser a negociação colectiva, para muitas vezes se desviar para o Parlamento.
Essa negociação colectiva sofreu por o PS estar ligado aos partidos mais à sua esquerda e por causa da centralidade do Parlamento?
Claro que sofreu. Tanto que muitas vezes as medidas aconteciam e tínhamos que recorrer ao Parlamento para resolver problemas.
E como vê o problema da regularização de precários?
Com preocupação, é um processo complexo. A Fesap indicou 34 pessoas para 17 comissões de avaliação, reunimos poucas vezes. O objectivo era terminar o processo a 31 de dezembro de 2018 e não vai sequer terminar a 31 de dezembro de 2019.
Mas falta o quê, vontade política?
Não. Há muitas vezes dificuldades criadas pelo próprio modelo para a resolução do problema, em que os próprios serviços dificultam. Estamos hoje a rever processos que até tinham sido, de algum modo, recusados por questões de justiça.
É um processo que envolve sempre muita burocracia.
Além da burocracia, assistimos a coisas em que houve, por exemplo, universidades que disseram "não quero resolver o problema destes 25", mudam os responsáveis e agora vamos revê-los outra vez. De qualquer maneira, valorizamos muito o PREVPAP, apesar de tudo. Inicialmente eram para ser 116 mil precários, depois concorreram 32 mil pessoas. Chegámos ao fim e resolvemos 20 mil. Entretanto, até por aqueles que foram excluídos, certamente são 20 mil postos de trabalho, 20 mil trabalhadores que ganharam contrato de trabalho permanente. A nossa preocupação já está um pouco mais além. Na Fesap consideramos que deve haver um melhor controlo sobre a contratação precária na administração pública - basta ver o site da Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), são dezenas de milhares de trabalhadores contratados, em muitos casos precários, a satisfazer necessidades permanentes dos serviços.
Isto será uma realidade que não terá fim...
Não terá fim se não houver compromisso e vontade política. A contratação precária está muito delimitada na lei: há os prestadores de serviços, há recibos verdes, avenças, em que não se justifica, nalguns casos, serem contratos permanentes. Quando se servem deste modelo de contratação precário para satisfazer necessidades permanentes, o que resulta daqui é que as pessoas, com as habilidades que os serviços vão fazendo, aguentam-se três, cinco, seis, dez, quinze, vinte anos. É preciso que isto se evite.
A não resolução desses problemas pode ser uma das causas a levar a Fesap e os sindicatos para a rua?
A resolução da precariedade sempre nos motivou para lutar por contratos permanentes.
Ou a não resolução dos salários pode ser ainda mais forte para levar a Fesap à rua?
A matriz da Fesap e da UGT é dar prioridade à negociação. Quando a negociação falha, nós temos de lutar.
Mas está disposto a esperar até quando?
Vamos iniciar esta legislatura e perceberemos imediatamente que condições haverá para que estes compromissos se possam estabelecer, de carácter anual ou plurianual. Ensaiámos até, na anterior legislatura, acordos que nos permitiam elencar um conjunto de matérias que podiam ser discutidas de forma calendarizada. Fez-se o que se pôde no contexto da solução que tínhamos em cima da mesa. Agora, tratando-se de um Governo que tem o apoio que tem e que tem condições para governar com estabilidade, exigimos também a estabilidade nos serviços públicos, na contratação, nos salários, nas carreiras, em tudo isto.
Acha que essa estabilidade pode durar quatro anos?
Nos últimos anos assistimos a um crescendo de protesto, em regra fundamentado por parte dos trabalhadores dos serviços públicos relativamente àquilo que não se fazia e a um discurso de um sucesso económico com resultados muito positivos, que depois não tinha correspondência no recibo das pessoas. Quero acreditar que, com seriedade na negociação, com responsabilidade e compromissos, há-de haver condições para que a legislatura possa chegar ao fim. De outra forma, se não houver negociação séria com alguns resultados e que nos mostre um caminho diferente daquele que tem vindo a ser seguido até aqui, não conseguimos que as pessoas se possam mostrar satisfeitas, mantendo-se, entre aspas, praticamente tudo na mesma. É por isso que já há um conjunto de iniciativas que estão alinhadas para o protesto.
Para o caso de as coisas não correrem como os sindicatos querem?
Claro. Por isso é que estamos à espera que o Governo tome posse, para percebermos que grau de compromisso pode existir relativamente àquilo que, com seriedade, queremos negociar.
Portanto podemos ter uma primavera de 2020 um mais complicada do que a de 2019?
Essa é uma pergunta que se pode fazer ao Governo. Se o Governo entender que há aqui um virar de página no sentido da forma como se produz a negociação colectiva, seja no sector privado, seja no sector público... Houve momentos em que o anterior Governo, mesmo sendo áreas do sector privado, assumiu responsabilidades e meteu-se para solucionar esses problemas. No que diz respeito à administração pública, que depende no essencial do Governo, está nas mãos do próprio Governo ver de que modo respeita o diálogo social e os parceiros sociais e valoriza a negociação colectiva. A nossa preocupação, a par da estabilidade, é a estabilidade dos serviços públicos, com os cidadãos tão satisfeitos quanto possível e com trabalhadores motivados, que hoje é a grande questão. Não posso dizer a um trabalhador de um hospital, que tem 20 anos de serviço, que não tem descongelamento nas suas progressões.
As mudanças na liderança da CGTP podem ser um factor para endurecer o discurso nas negociações que aí vêm?
No que diz respeito às mudanças na CGTP, à CGTP dirão respeito. Os sindicatos têm todos de fazer um esforço diferente no sentido de valorizar a negociação colectiva, protestar quando é necessário protestar. No entanto, aquilo que é mais sensível hoje e que nos preocupa verdadeiramente são os movimentos inorgânicos, que conduzem as coisas de tal forma que, depois, também nos empurram para caminhos diferentes. Isto só se pode travar com a negociação colectiva e por isso é que acho que as pessoas da CGTP, que conhecemos, são pessoas que têm assumido o seu papel na medida do possível, tendo em consideração cada momento, cada conjuntura. O que vem a seguir nós não sabemos.
É previsível que seja uma linha mais dura?
Mais dura, mais ortodoxa provavelmente. Na UGT e na Fesap temos uma matriz essencial que é, tanto quanto possível, a independência dos sindicatos relativamente a qualquer força partidária ou até a qualquer confissão religiosa.
Então, se é assim, provavelmente a CGTP vai pôr mais depressa pessoas na rua do que a UGT?
As pessoas protestam muitas vezes porque têm razão.
Isso quer dizer que às vezes protesta-se sem razão?
Muitas vezes, as forças políticas partidárias que não têm representação sindical põem-se por trás de movimentos e de situações para fazer valer um conjunto de posições.
Temos visto exemplos desses nos últimos tempos.
Exactamente, tem muito a ver com os seus próprios interesses. É evidente que há algumas forças partidárias que andam sempre a correr e a colar-se àquilo que são movimentos de trabalhadores e organizações sindicais.
Está a falar de Bloco de Esquerda e PCP?
Claro. Estou a falar de alguns partidos à esquerda que correm sempre atrás do prejuízo por falta de representação sindical, como é o caso provavelmente do PCP, mas que, de algum modo, acabam por empurrar coisas e situações, que é o papel tradicional dos sindicatos. Por isso é que a CGTP, a UGT e os sindicatos têm de avaliar melhor aquilo que é a sua posição hoje e preparar as condições, que passam no essencial por preocupações não só com aqueles que trabalham, mas também com os desempregados, o sector privado, os prestadores de serviços. Isto para que essas pessoas se possam rever cada vez mais no trabalho que fazemos. Há um grande esforço a fazer por parte de um Governo como este, que é um Governo de esquerda, do PS, no sentido de valorizar o papel dos sindicatos em democracia e na sociedade portuguesa. Evitando aproveitamentos, muitas vezes indesejados, para fins que não têm nada a ver com os interesses dos trabalhadores.
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