O Governo comprometeu-se a começar a revisão do SIADAP este trimestre e a ministra da Administração Pública admite, ao ECO, que também a tabela remuneratória poderá ser alvo de mudanças nesse âmbito.
Dois anos depois de ter descolado a base remuneratória da Administração Pública do salário mínimo nacional, o Governo decidiu eliminar essa diferença. Em entrevista ao ECO, a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública explica que, este ano, o Executivo preferiu dar aumentos salariais a mais funcionários públicos — cerca de 148 mil –, ao invés de concentrar a verba estritamente no nível mais baixo da tabela remuneratória, até porque tal agravaria a compressão face aos níveis seguintes.
Em ano de pandemia, o Governo vai gastar, assim, 41 milhões em atualizações salariais, tendo deixado cair a promessa de aumentos de 1% para todos os trabalhadores do Estado. Alexandra Leitão garante que esse “não foi um compromisso vão” e que só um contexto tão disruptivo como o atual poderia ter feito com que caísse por terra.
E por causa da incerteza trazida pela pandemia, não há promessas no que diz respeito a salários, para 2022. Mas o Governo já firmou um outro compromisso para este ano: o de que iniciará este trimestre a revisão do sistema de avaliação dos funcionários públicos.
Ao ECO, a ministra adianta que o objetivo é simplificar e agilizar esse sistema, acelerando as progressões, “na medida do possível”. Se os atuais dez anos parecem excessivos a Alexandra Leitão, uma redução para metade desse período também não lhe parece provável. Outra opção, diz a governante, é rever a tabela remuneratória, criando “escalões intermédios para as progressões intermédias”.
Esta é a uma das quatro partes da entrevista de Alexandra Leitão ao ECO. Nas demais, a ministra fala nomeadamente sobre a descentralização, as presidenciais, as pré-reformas no Estado, a ADSE, o novo suplemento de penosidade e a vacinação contra a Covid-19 das mais “altas figuras do Estado”.
O Governo decidiu aumentar em 20 euros o quarto nível da tabela remuneratória, igualando-o ao salário mínimo nacional. Desde 2019 que os dois valores divergiam. Porque é que o Governo optou, este ano, por acabar com essa diferença?
Não tem havido sempre essa diferença [entre o salário mínimo e a base remuneratória da Administração Pública], como disse. De facto, em 2019 [a base remuneratória da Administração Pública] divergiu [do salário mínimo nacional] e agora, atendendo àquilo que eram as disponibilidades orçamentais que foram definidas, entendemos privilegiar aqui, sobretudo, a possibilidade de fazer mais aumentos de forma a aliviar um pouco a compressão que a tabela remuneratória única tem tido nos últimos tempos em função de se ter entendido que era preciso aumentar primeiro os salários mais baixos.
O que se fez foi: como vai aumentar outra vez o salário mínimo, vamos pô-la [a base remuneratória da Administração Pública] igual, para assim ter folga para aumentar depois mais três posições remuneratórias. Neste momento, a base da tabela remuneratória única é o [nível] quatro e nós aumentámos também o [nível] cinco, seis e sete, atingindo assim todos os trabalhadores da Administração Pública que ganham menos de 800 euros.
Os sindicatos dizem que a eliminação dessa diferença entre o SMN e a base remuneratória da Administração Pública é injusta, porque em 2019 os funcionários públicos que viram as carreiras “aceleradas” para a quarta posição remuneratória perderam os pontos que tinham acumulado para futuras progressões. Na altura, esse “apagão” foi de certa forma compensado com o facto de estes trabalhadores passarem a ganhar mais 35 euros do que receberiam com o salário mínimo nacional. Agora passam a ganhar o mesmo que o salário mínimo nacional. O que responde o Governo?
Em 2019, não posso precisar. Quer com o Orçamento de Estado para 2020, que com o Orçamento do Estado para 2021, os pontos não foram perdidos. Essa questão dos pontos, neste momento não se verifica. A pessoa progride na mesma. Este é um ponto muito importante porque naturalmente faz com que a progressão depois de faça mais rapidamente.
Mas há margem para, eventualmente, recuperar os pontos “perdidos” em 2019, como pede a FESAP?
Neste momento não está em cima da mesa fazê-lo.
Se puséssemos 30 euros só na base remuneratória da Administração Pública, criaria uma compressão grande [em relação ao nível seguinte] que também se tornaria injusta para as posições subsequentes da tabela.
O salário mínimo nacional vai aumentar 30 euros. Já no Estado, a remuneração base da Administração Pública vai subir 20 euros. O Governo não devia “dar o exemplo” aos empregadores e fazer também o esforço dos 30 euros?
Aqui a opção foi, usando a disponibilidade [orçamental], não aumentar apenas a base, mas também outras posições remuneratórias. Se puséssemos 30 euros só na base remuneratória, criaria uma compressão grande [em relação ao nível seguinte] que também se tornaria injusta para as posições subsequentes. Portanto, aquilo pelo que se optou foi por esta solução que permitiu — é verdade, não aumentar 30 euros na base — aumentar dez euros, na quinta, na sexta e na sétima posição [da tabela remuneratória].
No último ano, o Governo deixou a promessa de que 2021 traria aumentos generalizados de 1% na Função Pública. A pandemia fez, contudo, esse compromisso cair. Arrepende-se de ter feito essa promessa? As expectativas dos sindicatos agora seriam, certamente, outras.
Se me arrependo? Com os dados que tínhamos à data, não foi uma promessa vã. Foi uma promessa sólida. Foi preciso alguma coisa do calibre do que estamos a viver desde março até agora para que ela não pudesse ser concretizada. Portanto, se me pergunta se, com os elementos que havia à data, essa foi uma promessa ou um compromisso pouco pensado. Não, não foi. Foi mesmo muito pensado. Foi preciso um contexto tão disruptivo, para dizer o mínimo, como aquele que estamos a viver para que não pudesse ser cumprido.
Olhando para trás, percebo as expectativas criadas, mas também devo dizer que, face à situação tão dramática que se vive no mundo inteiro, isso [o não cumprimento do compromisso de aumentos] é compreensível e, de modo geral, os sindicatos — naturalmente preferiam o aumento de 1% — mas também o compreenderam. O contexto é absolutamente inédito e sem precedentes.
A promessa de aumentos generalizados de 1% caiu ou foi adiada? Isto é, em 2022, os funcionários públicos podem esperar eventualmente a sua concretização, havendo condições para tal?
É mesmo como diz na parte final da pergunta. Essa é uma análise que faremos quando chegarmos ao fim dessa situação [pandémica] e for possível perceber em que está o país ficou. Tenho dito muitas vezes que acho que a Administração Pública respondeu exemplarmente e continua a responder exemplarmente, dos profissionais de saúde às forças de segurança, às pessoas que atendem nas lojas de cidadão aos professores. Agora, há pessoas às quais o Governo teve de proibir de trabalhar, por causa do contexto, e essas pessoas precisam de apoios. O Estado, o Governo tem muito a acudir.
Portanto, para já, não há promessas para 2022.
Para já, não há promessas para 2022. Mas há um compromisso já para daqui a dois meses, que é o de nos sentarmos a olhar para o diploma do SIADAP [o sistema de avaliação dos funcionários públicos], cumprindo o programa do Governo, que fala na sua anualização. Temos ainda a definir com os sindicatos como é que a progressão na carreira se poderá vir a fazer, no sentido de a tornar um pouco mais célere, na medida do possível.
Já vamos ao SIADAP, mas antes gostaria de a questionar sobre as progressões. O Governo tem lembrado que este ano não há congelamento, ao contrário do que aconteceu noutras crises, até porque continuará a haver progressões. Quantos funcionários públicos vão progredir este ano?
Terminou no ano passado o biénio do SIADAP e depois há uma fase [que cabe aos] conselhos coordenadores, que, salvo erro, são durante o primeiro trimestre. Só aí teremos dados sobre o número de progressões. Mas as progressões irão ocorrer sem qualquer tipo de congelamento, assim como os prémios a que haja lugar. No fundo, o normal desenvolvimento das carreiras não está posto em causa.
Na reunião suplementar sobre os aumentos salariais, não houve avanços, mas o Governo deixou um compromisso. que já referiu: vai arrancar a revisão do sistema de avaliação dos funcionários públicos ainda neste trimestre. Que mudanças espera o Governo fazer nesse ponto?
Desde logo, do ponto de vista procedimental, muita simplificação. Tornar o SIADAP alguma coisa de menos pesada, do ponto de vista do procedimento administrativo. Aliás, para que possa ser anualizado, tem mesmo de ser simplificado, se não é virtualmente impossível. E depois fazer ver aqui que a anualização só por si trará uma maior rapidez na progressão, sendo certo que também não podemos diminuir a metade a progressão. Isso provavelmente não será possível. Ainda estamos a trabalhar, mas seguramente a ideia é simplificar e anualizar, não só como fim em si mesmo — para que o procedimento seja menos pesado — mas também como forma de fazer com que haja uma progressão menos morosa, na Administração Pública.
Tenho dito que, independentemente das bases salariais deverem ser paulatinamente aumentadas, é também importante que as pessoas tenham perspetivas de carreira, não só o valor que se recebe quando se entra, mas também a perspetiva que se tem de evolução.
Diz, portanto, que esperar dez anos para progredir é excessivo, mas cinco anos também é improvável.
Diria que [ter uma progressão a cada cinco anos] seria talvez difícil, pelo menos com os mesmos saltos salariais.
Qual seria o prazo mais aceitável e adequado? Ficar a meio caminho, nos sete anos?
Não sei se mexemos nos anos, não sei se mexemos na tabela remuneratória. Está muito comprimida e acho que isso [a avaliação e a tabela remuneratória] pode ser visto em globo. É difícil de mexer, por todas as implicações que tem, não só do ponto de vista do número de pessoas abrangidas, mas também do desenvolvimento de carreiras e do impacto orçamental que tem. Vamos ver com os sindicatos. Ainda não temos uma proposta fechada para entregar.
As mudanças que se conseguirem na revisão que começará em março terão efeitos práticos quando?
Tenho dificuldade em dizer-lhe. Não sei quanto tempo demora a negociação. Há negociações mais lentas. Esta, provavelmente, não será uma negociação rápida. E depois há todo o processo legislativo. Portanto, não me vou comprometer com um prazo.
Uma hipótese, por exemplo, é criar escalões intermédios [na tabela remuneratória única] para as progressões intermédias.
Referiu a necessidade de rever a tabela remuneratória única. Os sindicatos defendem-no face à compressão dos últimos anos. Aliás, a meta do Governo de aumentar o salário mínimo para 750 euros até 2023 deixa perspetivar que mais alguns níveis poderão ser consumidos, no futuro próximo. Para quando uma revisão da tabela? Será no âmbito da revisão do SIADAP?
É possível que seja no âmbito do SIADAP. Não quero deixar essa garantia, porque as coisas não são necessariamente ligadas uma à outra, mas se se anualizar totalmente [o SIADAP], uma solução combinada com a tabela remuneratória pode ser uma boa solução.
E nesse caso, a revisão da tabela implicará, na prática, atualizações salariais para se retomar a proporcionalidade entre os níveis remuneratórios?
Pode ser ou não. Uma hipótese, por exemplo, é criar escalões intermédios para as progressões intermédias, mas é prematuro antecipar soluções.
Está confiante que este Governo tem capacidade para chegar ao fim da legislatura? Por exemplo, a negociação deste Orçamento para 2021 pareceu mais difícil nos últimos anos.
Acredito que o Governo tem condições para fazer um mandato completo. Tem um programa de Governo pensado, obviamente, para o mandato completo e é importante que o cumpra. Portanto, sim, penso que há condições.
Cada Orçamento é um Orçamento, cada um tem o seu contexto. Nos outros quatro [Orçamentos] do XXI Governo, também houve uns mais difíceis que os outros e, portanto, tenho essa convicção. Até porque acho que o país, na situação em que está, precisa dessa estabilidade política para poder enfrentar as dificuldades pandémicas, sanitárias, económicas e sociais. E penso que este Governo é quem tem melhores condições para o fazer. E estou confiante que vai haver essa estabilidade.
Fonte ECO