Entrevista com o secretário de Estado da Administração Pública
O secretário de Estado garante que medidas como a convergência na aposentação, as progressões por mérito e os mecanismos de flexibilidade e de autonomia permitiram poupar 20 milhões de euros em seis anos. E tudo, diz, sem despedir e empobrecer os serviços públicos.
Uma das críticas recorrentes à reforma da Administração Pública (AP) é o facto de se ter produzido muita legislação entre 2005 e 2009, em detrimento da sua concretização no terreno…
Não concordo que tenha sido uma reforma teórica e conceptual. É verdade que em muito pouco tempo se empreenderam uma série de reformas, mas isso teve a ver com a situação gravíssima e insustentável em que nos encontrávamos em 2005. Se tivéssemos mais tempo teria havido mais condições para nos focarmos em alguns dos pontos e ir graduando a velocidade e o âmbito da reforma. Mas tínhamos que ser determinados a enfrentar os bloqueios e as insustentabilidades que existiam. Fizemos muito em pouco tempo. Passámos de níveis de despesa com pessoal na casa dos 14 por cento do PIB para níveis abaixo dos 11 por cento, alinhados com a média europeia.
Essa redução de que fala tem em conta a criação dos hospitais EPE e a consequente transferência de pessoal?
Conto com o efeito decorrente das alterações metodológicas da contabilização das despesas com a Caixa Geral de Aposentações, com a redução de mais de 80 mil trabalhadores e com os trabalhadores que estão nos EPE e que optaram por manter o vínculo público. Se não tivesse havido nenhuma alteração nas políticas públicas de gestão dos recursos humanos – se esquecêssemos a convergência na aposentação, se tivéssemos mantido um sistema insustentável de progressões automáticas, sem avaliação baseada na diferenciação, sem mecanismos de flexibilidade e de autonomia de gestão - podíamos estar a falar de níveis de despesa na casa dos 10 mil milhões de euros que acabaram por não se efectivar.
Depois de tudo isso e confrontada com uma grave crise, a AP demonstrou que não estava preparada para responder. Em 2011 foi preciso cortar salários, congelar progressões, dando a ideia de que o se fez não foi suficiente.
A redução de salários, o congelamento de admissões e a suspensão dos mecanismos da progressão não são traços da reforma, são traços de uma gestão no âmbito de uma conjuntura inédita e muito difícil. O que foi feito antes preparou melhor a AP para este desafio. Se Portugal não tivesse feito o seu trabalho de casa de forma rápida e ambiciosa no período 2005/2009 teríamos entrado nesta aguda crise internacional de forma muito mais vulnerável e com um traço de insustentabilidade que teria feito perigar de forma dramática a qualidade dos serviços públicos. Não há nenhum trabalhador do privado ou do público que esteja alguma vez preparado para ter uma redução salarial e não é uma medida popular que os trabalhadores que têm direito à progressão fiquem impedidos de o fazer. A lei foi preparada para tempos normais, os tempos não são normais e as regras que estão em vigor são excepcionais.
Uma das reformas que mais críticas gerou foi a avaliação de desempenho (SIADAP). Afinal quantos funcionários foram avaliados em 2009?
Em 2009, 93 a 94 por cento os trabalhadores que estão sujeitos à avaliação de desempenho foram avaliados.
De que universo está a falar? Significa que não são todos os trabalhadores?
Não, porque há trabalhadores que estão integrados em carreiras que não estão sujeitas à avaliação de desempenho. O caso dos militares, por exemplo. E ao nível da administração regional temos alguma dificuldade em obter dados detalhados. Estamos a falar num universo de avaliados abrangidos pelo SIADAP acima dos 300 mil.
Essa ideia de que o sistema está a funcionar contraria as críticas dos sindicatos que falam em problemas generalizados...
O que tenho perante mim são casos pontuais de má aplicação da lei.
Pode quantificar?
Cerca de um a dois por cento dos casos, num universo de duas centenas de serviços da Administração Central, surgem com algumas irregularidades no procedimento, que têm a ver com ultrapassagem de prazos, a não realização da entrevista para a contratualização de objectivos, fundamentação que não é correcta. Mas são casos pontuais em que os próprios trabalhadores dão o alerta. Este ano já estão a decorrer uma série de auditorias no sentido de corrigir algumas das denúncias. Mas lei está a ser globalmente bem aplicada.
As quotas de desempenho foram cumpridas?
Em 2009 as quotas foram, na generalidade, cumpridas. Detectámos, tal como nos outros anos, um conjunto de serviços que evidenciaram um ligeiro desvio. São casos circunscritos, mas que por uma questão de equidade importa resolver. A Inspecção-Geral de Finanças tem instruções para aprofundar o trabalho que tem vindo a desenvolver, para perceberemos se nesses organismos há necessidade de reposição de verbas ou de apurar responsabilidades disciplinares.
Os dirigentes podem ser demitidos?
Desde 2008 viemos a responsabilizar dirigentes que não aplicavam o SIADAP. Essa situação já não acontece. Não temos relato, ao nível da Administração Central, de serviços que bloqueiam a aplicação do SIADAP. Isso não significa que não precisemos de melhorar, mas sinto-me muito confortável com a aplicação do SIADAP. Uma das marcas da reforma é que a avaliação de desempenho baseada na diferenciação é algo natural e que as pessoas exigem um sistema bem aplicado. Não é correcto dizer que os funcionários não querem ser avaliados.
Receia que a suspensão da avaliação dos professores aprovada pela oposição já depois da demissão do Governo possa pôr em causa o SIADAP no resto da AP?
Lamento a decisão dos partidos da oposição. Em relação ao PSD nunca tinha visto uma decisão tão contraditória, face ao que tem sido um consenso na AP portuguesa. Não quero acreditar que esta má decisão por parte dos deputados venha a contagiar e a prejudicar mais centenas de milhares. Espero que não se tenha iniciado um ciclo de desfazer uma das conquistas que os próprios trabalhadores têm e não tinham antes. É uma medida muito inoportuna e perigosa porque dá uma expectativa às forças conservadoras e imobilistas no sentido de termos uma AP pré-2005.
Porque é que a partir de um determinado momento houve uma travagem na revisão das carreiras especiais?
O Governo não suspendeu o processo de forma unilateral, o que acontece é que quando reunimos com os sindicatos constatamos que temos posições afastadas e que existe pouca vontade de aceitar os princípios da reforma. Eu encontro uma agenda à la carte em que se pretende escolher da revisão da carreira o que é mais apetecível em termos de vínculo e de suplemento, esquecendo o que não interessa.
Quer dizer que o Governo não teve força suficiente para fazer essa negociação?
Tanto teve que em dois anos e meio revimos carreiras correspondendo a 90 por cento dos trabalhadores. Militares, carreira docente, carreira inspectiva. A grande maioria das carreiras deste país foi revista. O Ministério das Finanças não lidera a revisão de carreiras sectoriais e o que posso constatar é que houve em certos sectores quer do lado dos trabalhadores quer do lado dos serviços uma maior ou menor pró actividade de fazer as propostas. É preciso haver concordância e acolhimento dos princípios gerais da lei dos vínculos, do SIADAP e do contrato de trabalho em funções públicas. Partir para uma negociação tentando usar as regras do jogo antigas é um processo votado ao fracasso.
O que é que o contrato de trabalho em funções públicas trouxe de tão relevante que tenha valido a pena a convulsão que causou nos trabalhadores?
Mudou um paradigma essencial no que diz respeito a instrumentos de flexibilidade e adaptabilidade, teletrabalho e gestão do horário de trabalho que tem desencadeado experiências muito positivas em termos de produtividade. Numa primeira fase os sindicatos desempenharam um papel muito crítico e houve algum sobressalto quanto à questão do vínculo, mas depois percebeu-se que as pessoas continuam a ser trabalhadores em funções públicas.
A existência deste regime não abre a porta a que próximos governos façam despedimentos?
Dizer que é necessário despedir milhares de pessoas quando o Estado e os funcionários tiveram a capacidade de aumentar a sua produtividade em função de uma descida inédita é estar a pôr em cima da mesa uma agenda superficial e de algum preconceito. Nós reduzimos mais de 80 mil funcionários públicos sem despedir e sem recorrer a um mecanismo oneroso como as rescisões amigáveis.
Não se recorreu a esses expedientes, mas a redução fez-se muito à custa de uma certa instabilização que levou as pessoas a antecipar a reforma.
Mas as pessoas não foram obrigadas a sair. A forma simplista de cegamente fechar serviços ou despedir pessoas não é a agenda deste Governo. Isso é empobrecer os serviços.
Não houve já um empobrecimento com o controlo das entradas e com a saída de funcionários?
Eu não constato casos de ruptura de serviços. Os serviços, muito por mérito dos funcionários e dirigentes, têm mantido níveis de qualidade que ombreiam nos benchmarks internacionais. Não noto o empobrecimento, temos é uma AP mais exigente para com os funcionários, os dirigentes e os que se aproximam de uma repartição. Não concordo com os que dizem que o país traz às costas a AP. Quando o que acontece é o contrário: é uma administração mais eficiente que tem permitido que o país tenha ganho competitividade em certos sectores.
Quando se fala, no Programa de Estabilidade e Crescimento, na necessidade de um novo programa de reestruturação do Estado (PRACE ) não é o reconhecimento por parte do Governo de que o que se fez em 2007 foi insuficiente?
Não. Em quatro anos o mundo mudou muito e a AP mudou muito e para melhor. Quando o governo propôs uma eliminação de 15 por cento dos cargos dirigentes não é reconhecer que o que foi feito foi insuficiente, é reconhecer que já passaram quatro anos em que a AP percebeu até onde podia ir e que pode fazer um esforço adicional. Com menos 80 mil trabalhadores a Administração não é a mesma que em 2007 e temos que a ajustar.
A mobilidade especial não teve o efeito esperado na transferência de pessoal entre serviços com excesso e com escassez de recursos. Afinal para que serviu?
A mobilidade especial funcionou como um mecanismo de mobilidade, podemos é discutir se conseguimos obter todo o potencial de mobilidade que se esperaria e já disse publicamente que não. Fica aquém enquanto instrumento de mobilidade.
O processo esteve envolto em muita polémica e contestação judicial. Valeu a pena o esforço?
A mobilidade serviu para que um conjunto significativo de pessoas tenha voluntariamente optado por sair. Já foi assumido que houve um conjunto de casos em que a colocação não foi adequada. Mas estamos a falar de 21 trabalhadores que, por via judicial ou dos organismos de controlo, se reconheceu que não deviam ter sido colocados na mobilidade especial.
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