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A formiga no carreiro

Subjacente às frases sibilinas do Conselho das Finanças Públicas encontra-se uma tese que merece ponderação séria

 

O Conselho das Finanças Públicas, no seu primeiro relatório, vem criticar a estratégia de “cortes e compressões horizontais dos salários dos funcionários públicos”, aconselhando o Governo a enveredar antes pela “racionalização da função pública, eliminando burocracia e formando e realocando os trabalhadores em actividades mais produtivas”.


A frase é sibilina – o que, sendo vulgar nos discursos sobre a Função Pública, parece aqui criticável. É pena que um órgão independente, criado precisamente para ultrapassar as limitações dos políticos, mimetize os vícios discursivos destes, em vez de dizer com clareza e desassombro aquilo que pensa. Tanto mais que aquilo que o Conselho pensa, ou parece pensar – após uma leitura árdua dos seus eufemismos – corresponde a uma tese que merece ser ponderada seriamente.


Note-se que um dos vícios tradicionais do sistema remuneratório da função pública é a intolerável compressão dos leques salariais: a Administração pública é muito atraente para os escalões mais baixos e pouco competitiva nos escalões mais elevados. Ou seja, atrai o pessoal que o sector privado não quer (ao menos por aquele preço) e perde ingloriamente para ele as elites dos serviços, nas quais deveria assentar a qualidade da Administração Pública. Por outro lado, a compressão remuneratória está ainda associada a um fenómeno perverso, que é a desmotivação dos funcionários pelo facto de chegarem, ainda relativamente jovens, perto do máximo salarial que poderão atingir.


Ora, o que o Conselho critica em primeiro lugar é a redução de despesa através de uma política de cortes remuneratórios que se traduziu em “compressões horizontais” dos salários. Quer dizer, onde já existia um problema sério de compressão do leque salarial, veio o Governo contribuir para agravar ainda as coisas, puxando as remunerações mais elevadas para perto das mais baixas (estas com um tratamento favorável perante os cortes).

Sustenta o Conselho que a alternativa será eliminar as burocracias que estorvam a racionalização dos efectivos e afectar os recursos assim libertados a actividades mais produtivas. Parece claro nesta afirmação que a política governamental se deverá orientar pelo objectivo de extinguir ou modificar relações de emprego, libertando efectivos. Mas já não é claro se tais efectivos deverão ser alocados a outros sectores da Administração Pública ou se as “actividades mais produtivas” significam afinal o sector privado da economia – se e na medida em que este os queira ou possa absorver…


Parece que o Conselho se inclina mais para a segunda tese: em vez de cortar nos salários de todos, o Governo deverá extinguir o vínculo de uma parte e afectar os meios disponibilizados a (designadamente) revalorizações salariais selectivas.

Resta saber como proceder a uma “racionalização” substancial de efectivos com o quadro legal em vigor e como garantir a existência de revalorizações salariais num quadro de emergência financeira...

PS: O Conselho das Finanças Públicas é um “órgão”, como diz a lei que o criou? Ou uma “pessoa colectiva pública”, como dizem os seus Estatutos? Ou novamente um “órgão”, como veio desempatar a resolução do conselho de ministros que fez as nomeações? Ou tanto faz, que ninguém liga?


Luís Fábrica

Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica


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