Sindicatos avisam que Estado não pagou despesas do teletrabalho aos funcionários públicos. Governo explica que só em fevereiro se deverão repercutir esses custos "na esfera do trabalhador".
Estado ainda não pagou aos seus trabalhadores as despesas adicionais decorrentes da adoção do teletrabalho, que foi obrigatória entre 25 de dezembro e 14 de janeiro. O alerta foi dado pelos sindicatos, mas o Governo já veio explicar, em declarações ao ECO, que só em fevereiro “se deverão repercutir na esfera do trabalhador” os montantes em questão, ou seja, os custos suportados no início do ano pelos trabalhadores deverão ser compensados somente este mês pelo Estado.
Perante a escalada dos casos de Covid-19 alimentada pela variante Ómicron, o Executivo de António Costa decidiu impor, a partir da última semana de dezembro, uma série de restrições, tendo tornado, nesse âmbito, a adoção do teletrabalho obrigatória, sempre que as funções fossem compatíveis e mesmo que não houvesse acordo entre o empregador e o trabalhador.
Essa obrigação manteve-se em vigor até 14 de janeiro, mas a partir do primeiro dia de 2022 as regras do trabalho à distância mudaram, passando a estabelecer que o empregador deve compensar integralmente o trabalhador por todas as despesas adicionais que comprovadamente decorram da aquisição ou uso dos equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos necessários à realização do teletrabalho, incluindo os acréscimos dos custos de energia e da internet.
O cálculo destes valores tem gerado dificuldades e polémica, uma vez que o Código do Trabalho apenas diz que deve ser feito com base na “comparação com as despesas homólogas do trabalho no mesmo mês do último ano anterior” à aplicação do teletrabalho, não dando indicações, por exemplo, quanto ao apuramento desse acréscimo nas situações em que vários membros do mesmo agregado familiar estão a exercer as suas funções profissionais de modo remoto.
Perante esta complexidade, várias empresas (privadas), segundo já tinha indicado ao ECO a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados, decidiram atribuir um valor fixo aos trabalhadores, relativamente às duas semanas de janeiro em que o teletrabalho foi obrigatório, ao invés de lhes pedir as faturas da eletricidade e da internet.
Já o Estado, de acordo com as fontes sindicais ouvidas pelo ECO, não fez qualquer pagamento relativo ao teletrabalho, até ao momento. Questionado, o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública sublinha que “tendo a lei entrado em vigor em janeiro, só no presente mês se deverão repercutir [as despesas] na esfera do trabalhador“.
“A Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, que procede à alteração do regime de teletrabalho, entrou em vigor em janeiro deste ano. Nos termos da alteração ao artigo 168.º, n.º 2 e 3 do Código do Trabalho que a mencionada lei introduziu, estas despesas são determinadas por comparação com as despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à aplicação desse acordo, pelo que, tendo a lei entrado em vigor em janeiro, só no presente mês se deverão repercutir na esfera do trabalhador“, responde o Governo. Ou seja, os funcionários públicos vão receber a compensação devida pelos custos associados ao teletrabalho no início do ano só em fevereiro.
Fonte do gabinete de Alexandra Leitão adianta, além disso, que em breve a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) publicará “um conjunto de FAQ”, isto é, de esclarecimentos sobre esta matéria.
Estas declarações do Ministério da Administração Pública foram dadas depois de José Abraão, líder da FESAP, ter contado ao ECO que os trabalhadores queixaram-se em relação ao pagamento das despesas do teletrabalho, mas não receberam, até ao momento, qualquer valor para compensar os custos adicionais associados ao trabalho a partir de casa.
“É manifestamente inaceitável“, sublinhou o sindicalista, que adiantou que a única justificação que foi dada foi a de que “não estavam reunidas as condições” para o pagamento. “Falhou a agilização de um processo que é complexo. Um dia destes, a lei provavelmente terá de ser alterada“, defendeu José Abraão, esperando que essas eventuais mudanças tornem, então, o regime mais “justo”.
Também do conhecimento da Frente Comum, “em relação aos trabalhadores da Administração Pública, ninguém pagou nada a ninguém“. Ao ECO, Sebastião Santana Santana frisou que “há muitos trabalhadores em teletrabalho” e enfatizou que a forma de calcular as despesas adicionais não é fácil, pelo não foi feito até ao momento esse pagamento.
Na resposta dada inicialmente ao ECO sobre esta matéria, o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública tinha indicado que, “tendo em conta que a lei que veio modificar o regime de teletrabalho apenas entrou em vigor dia 1 de janeiro”, estava “ainda a fazer-se o balanço“. Ora, foi perante as denúncias dos sindicatos que o gabinete de Alexandra Leitão acrescentou que o pagamento só deverá ser feito em fevereiro.
A mesma fonte detalhou, por outro lado, que os dados mais recentes — que reportam a 15 de dezembro de 2021, altura em que o teletrabalho era somente recomendado e ainda não obrigatório — “dão conta de cerca de 25 mil trabalhadores públicos em teletrabalho“. “Como é sabido, estes números não abrangem os trabalhadores cujas funções não são passíveis de teletrabalho”, ressalvou o Ministério da Administração Pública.
Esta não é a primeira vez que os sindicatos que representam os funcionários públicos denunciam a falha de pagamento das despesas associadas ao teletrabalho. Em fevereiro do ano passado — portanto, antes da entrada em vigor das referidas novas regras –, o Ministério do Trabalho esclareceu que entendia que o Código do Trabalho já previa que os empregadores deveriam suportar as despesas dos teletrabalhadores relacionadas com o telefone e a Internet, mas as estruturas sindicais garantiram que nem Estado não estava a fazê-lo em relação aos seus trabalhadores.
Na altura, o gabinete de Alexandra Leitão justificou a situação dizendo que aguardava a regulamentação do teletrabalho. O Ministério da Administração Pública tinha estado reunido com os sindicatos no verão de 2020 para discutir as questões do teletrabalho, mas acabou por decidir que esse trabalho legislativo seria feito com o Ministério do Trabalho.
Entretanto, o Governo apresentou o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho, depois a Agenda do Trabalho Digno e, já mais recentemente, no Parlamento, os vários grupos parlamentares (incluindo o próprio PS) apresentaram propostas para densificar as regras do teletrabalho. As normas que entraram em vigor no início deste ano foram as aprovadas pela Assembleia da República, com os votos favoráveis do PS e do Bloco de Esquerda, mas a sua operacionalização tem gerado dúvidas, entre juristas, contabilistas e empregadores.