Projeto de novas carreiras faz cair concursos de promoção. Maioria irá para posição virtual e “poderá ficar 10 anos sem qualquer progressão”.
O projeto de diploma das carreiras especiais de inspeção da função pública, em discussão até sexta-feira, propõe aos mais de 700 trabalhadores abrangidos, e a novos ingressados, uma nova carreira de 14 níveis e categoria única que, no limite, poderá implicar uma travessia de mais de um século.
Os sindicatos estão contra, e querem manter a possibilidade de haver progressão vertical via concursos de promoção. Os inspetores do Estado vão perder “espaço de manobra” com o novo projeto legislativo do governo, aprovado na generalidade em Conselho de Ministros a 4 de abril, considera a Fesap, uma das estruturas representativas dos trabalhadores nas negociações. “Até agora, os trabalhadores tinham sempre hipótese de progredir na horizontal, e depois ser objeto de um concurso de promoção para serem promovidos na vertical”, descreve José Abraão, presidente da Fesap.
Com as novas regras, a maioria dos inspetores irá para uma posição remuneratória virtual e “poderá ficar 10 anos sem qualquer progressão”. A proposta em negociação, e que estará em consulta pública até maio, cria no lugar das atuais cinco categorias (de estagiário a inspetor superior principal), com quatro níveis excetuando o caso dos estagiários, uma escada única sem patamares. A ideia é subir agora ao rimo das avaliações do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho da Administração Pública (SIADAP). Nas carreiras gerais, subir um degrau demora uma década para a maioria.
No caso dos inspetores, será um SIADAP adaptado, mas cujo modelo só será definido mais tarde. “No limite, quem está agora a entrar demora 140 anos a chegar ao topo da carreira”, calcula Carla Cardoso, a presidente do Sindicato dos Inspetores do Trabalho, uma das organizações que já na última quinta-feira iniciou a discussão do projeto, numa reunião com o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, e secretários de Estado da Segurança Social e do Emprego. José Abraão entende também que, com as novas carreiras, “a esmagadora maioria” dos inspetores do Estado irá cair em posições virtuais – a meio caminho entre níveis remuneratórios agora definidos – e acabar por receber uma valorização mínima quando reunir os pontos necessários à passagem ao próximo nível. “A diferença entre o que ganham, transitando para uma posição virtual, e a posição remuneratória certa na próxima mudança são 29 ou 30 euros.
É o que já acontece hoje na ASAE. As pessoas vão andar, em regra, à espera de terem dez pontos, provavelmente em muito casos, dez anos, para depois terem um benefício com a posição remuneratória – diga-se, uma promoção – de 29 euros. Isto é quase ridículo”, diz. O governo pretende reformular nove carreiras, mantendo apenas sem revisão as carreiras dos inspetores-adjuntos da Solidariedade e da Segurança Social, e da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos. Da Inspeção de Jogos à Autoridade para a Condições do Trabalho (ACT), passando pela inspeção veterinária ou inspeção de mercados, o reposicionamento vai somar salário e suplementos remuneratórios em vigor para encontrar o novo patamar salarial.
Os inspetores da ACT, contudo, queixam-se que vão perder por duas vias. Primeiro, o suplemento que ganham vale 21,84% desde 2015 (e não 22,5% do salário como antes), depois de ter sido congelado. Depois, o englobamento do suplemento no salário fará com que o primeiro passe a ser descontado para a ADSE. “Vai trazer um retrocesso em termos de rendimento”, defende Carla Cardoso. A dirigente do sindicato dos inspetores do Trabalho entende também que a uniformização agora proposta vai afastar os inspetores da rua e das funções de maior risco. “A ser verdade que isto vai acontecer, vai haver uma fuga, um acervo enorme de pedidos de mobilidade para inspeções internas. As pessoas não vão querer, pelo mesmo que ganha um colega que está sentado à secretária das 9h às 17h, correr riscos e por as vidas delas muitas vezes em perigo”.