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A formiga no carreiro

Impostos e função pública são os dois grandes braços da maratona negocial até à aprovação do orçamento.

 

A cada orçamento, há um leque de dossiers quentes que aparecem no menu das negociações entre o Governo e os parceiros à esquerda. A maratona negocial dos últimos meses e semanas, entremeada pela campanha eleitoral, tem sido dominada por dois grandes temas: a função pública (e as pensões) e os impostos. Depois da descida da sobretaxa nos últimos dois anos, a batalha da negociação na frente fiscal passa pela descida do IRS para quem ganha menos — falta saber se haverá uma subida de alguns impostos indirectos, como tem acontecido noutros orçamentos. Seguindo a regra do ano passado, o documento deve ser aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira e chegar ao Parlamento durante a tarde de sexta.

 

O descongelamento das progressões e das promoções na função pública vai avançar em 2018, mas o acréscimo remuneratório correspondente não será pago de uma só vez e haverá limitações para os trabalhadores integrados em carreiras onde a progressão depende do tempo de serviço. O Governo ainda não revelou quanto tempo vai levar até que o pagamento das progressões se concretize na totalidade, mas o ponto de partida para as negociações com os sindicatos é de quatro anos (até 2021), embora o executivo garanta que vai fazer um esforço para que seja mais cedo. A intenção do Ministério das Finanças é pagar uma percentagem do valor a que os trabalhadores têm direito, mas ainda não se sabe ainda se essa percentagem será maior em 2018 e 2019, deixando a parte menor para a próxima legislatura.

Os trabalhadores integrados em carreiras cuja progressão depende do tempo de serviço levarão mais anos até retomarem a progressão. É que o executivo entende que o serviço prestado entre 2011 e 2017 (período em que durou o congelamento) não deve ser contabilizado para esses efeitos. Ainda assim, ao todo, 80% dos funcionários públicos vão beneficiar, no próximo ano, “de algum acréscimo” decorrente das progressões ou promoções. O custo anual em remunerações do descongelamento é de 250 milhões de euros. O dossier volta a ser discutido com os sindicatos a 12 de Outubro, véspera da entrega do Orçamento do Estado (OE) para 2018 no Parlamento.

 

Pensões até 842,6 euros sobem acima da inflação

As pensões até 842,6 euros terão um aumento acima da inflação no próximo ano, uma medida que abrange mais de 80% dos pensionistas, enquanto as restantes vão ser actualizadas pela primeira vez desde 2009, embora numa percentagem menor. A notícia foi dada pelo primeiro-ministro na Assembleia da República e traduzir-se-á num aumento real de 0,5% para as pensões mais baixas. A medida não decorre de uma opção política, mas da aplicação da fórmula de actualização prevista na lei. “Como este ano vamos crescer significativamente acima dos 2%, pela aplicação da fórmula as pensões não vão só ser actualizadas até aos dois IAS [Indexante de Apoios Sociais]. Todas vão ser actualizadas e as de mais baixo valor vão ter um aumento”, garantiu António Costa. Já aumentos extraordinários como pedem o PCP (que quer um mínimo de dez euros) e o BE parecem estar afastados, mas o dossier ainda não está fechado.

Fim do corte de 10% no subsídio de desemprego

O primeiro-ministro assumiu, no debate quinzenal de quarta-feira, que a eliminação do corte de 10% aplicado ao subsídio de desemprego a partir do sétimo mês de atribuição será discutida no quadro do Orçamento do Estado para 2018. Em Junho deste ano, já entrou em vigor uma norma que impede que o subsídio fique abaixo de 421,32 euros (o valor correspondente ao Indexante de Apoios Sociais) por causa do corte. Na altura, PCP e BE queriam ir mais longe e acabar com a redução para todos, mas o PS remeteu as discussões para o OE. 

Como descer o IRS

Se o Governo começou por alocar pouco mais de 200 milhões de euros para começar a rever os escalões do IRS, à medida que as negociações avançaram foi-se aproximando das reivindicações de BE e PCP. Resta saber qual será a perda de receita inscrita na proposta do orçamento — e se as negociações ficam fechadas já ou se o Governo admite continuar a negociar na especialidade, mantendo em aberto um dossier com o qual tanto o PS como o PCP e o BE procurariam capitalizar politicamente num cenário em que a descida seria superior à apontada na primeira versão do orçamento. Para já, sabe-se que o Governo vai subir o limite da isenção do IRS, algo que não é uma surpresa tendo em conta que o actual limite, de 8500 euros líquidos por ano, já ficaria pouco acima do valor anual do salário mínimo previsto para o próximo ano — o Jornal de Notíciasavançava ontem que Governo e PCP já terão fechado uma proposta que fixa o novo limite nos 8850 euros anuais. E além do alargamento do “mínimo de existência”, o Governo e a esquerda têm estado a negociar a criação de dois novos escalões já em 2018, passando dos actuais cinco para sete. Como a descida nos escalões de rendimento mais baixos se repercute nos patamares seguintes (porque as taxas progressivas do IRS se aplicam “em escada”), é expectável que o executivo limite essa poupança nos escalões mais altos através de outras formas, como novos limites nas deduções do IRS para os rendimentos mais altos ou mexendo nos limites das taxas. Em todo o caso, ao impacto orçamental que resultar destas alterações somam-se ainda 180 milhões de euros da eliminação completa da sobretaxa.

Descer IRS para arrendamento

Depois de o Governo ter aprovado no último Conselho de Ministros a “Nova Geração de Políticas de Habitação”, é expectável que o conjunto de diplomas que agora entram em consulta pública se articulem com as medidas fiscais que o PS tem estado a discutir com os parceiros à esquerda para promover o arrendamento de longa duração. A ideia em cima da mesa, como o PÚBLICO já noticiou, passa por reduzir a actual taxa de IRS sobre os rendimentos das rendas para quem aceite contratos de arrendamento mais longos e com rendas mais baixas. Falta saber em concreto como é que a medida ficará fechada.

O que acontece noutros impostos?

O Governo tem assumido como estratégia uma “recomposição da receita fiscal entre menos impostos directos e mais impostos indirectos” (diminuir o peso dos primeiros no total da receita e aumentar a importância dos segundos). Foi essa a tendência dos dois primeiros orçamentos e é essa a orientação que aparece reafirmada no mais recente Plano de Estabilidade. Além da actualização para acompanhar o nível da inflação, haverá um aumento mais vasto de alguns impostos especiais de consumo? É uma das questões ainda por clarificar. Este ano, o Governo lançou o imposto sobre as bebidas adicionadas de açúcar e agravou o imposto sobre o tabaco, imposto único de circulação, veículos e imposto sobre os combustíveis.

Pressão para mexer na derrama

O PCP e o BE têm insistido numa subida da derrama estadual do IRC para as empresas com maiores lucros. É uma reivindicação que o grupo parlamentar comunista já colocou em cima da mesa nos orçamentos do actual Governo, mas que nunca chegou a avançar. Agora, a pressão tem aumentado também do lado do BE, mas é uma incógnita saber se o executivo a aceita. A ideia defendida pelo PCP passa por agravar em dois pontos percentuais a derrama estadual de IRC aplicada às empresas com lucros acima de 35 milhões de euros, aumentando-a de 7% para 9%. O executivo parece resistir. Ainda em Julho, numa pergunta parlamentar dirigida a Mário Centeno, o PCP pediu esclarecimentos sobre o impacto destas medidas e perguntou directamente se o Governo estava disponível para aumentar a derrama estadual. O Governo respondeu ao ofício, mas passou ao lado dessa pergunta, não se comprometendo com a ideia.

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