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A formiga no carreiro

Os sindicatos que representam os trabalhadores da Função Pública já sabem o que querem pedir ao novo Governo de Costa: melhores salários, carreiras mais atrativas e a revisão do sistema de avaliação.

Os portugueses expressaram a sua vontade e deram a maioria absoluta ao PS, mudando o desenho político da governação do país. Os sindicatos que representam os trabalhadores da Administração Pública já sabem o que vão exigir, de modo prioritário, ao novo Governo de António Costa: melhores salários, carreiras “desafiadoras, mas atrativas” e a revisão do sistema de avaliação de desempenho, cuja negociação até começou a ser feita, mas acabou por não dar frutos.

Nestas eleições de 30 de janeiro, os socialistas foram os vencedores, tendo conseguido 41,68% dos votos e 117 mandatos. Já o PSD recolheu 27,8% dos votos, o que corresponde a 71 mandatos. O terceiro lugar foi conquistado pelo Chega, que obteve 7,15% dos votos e 12 mandatos. Seguiu-se a Iniciativa Liberal com 4,98% dos votos e oito mandatos e, depois, o Bloco de Esquerda com 4,46% dos votos (cinco mandatos), a CDU com 4,39% (seis mandatos), o CDS-PP com 1,61% (zero mandatos), o PAN com 1,53% (um mandato) e o Livre com 1,28% (um mandato).

António Costa passará, deste modo, de um Governo “dependente” dos partidos mais à esquerda, para um Governo com maioria absoluta, tendo já sinalizado que, ainda assim, estará aberto ao diálogo.

Diálogo esse que a presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) considera “fundamental“. Em declarações ao ECO, Maria Helena Rodrigues recusa comentar os resultados da ida às urnas de 30 de janeiro, mas sublinha que, seja qual for o desenho político, a negociação coletiva deve ser respeitada e o Governo não deve apenas impor a sua vontade.

Nos últimos seis anos, essa tem sido, resto, uma queixa recorrente das estruturas sindicais da Função Pública. “Houve imposição e não foi tido em conta de facto o processo negocial“, critica a sindicalista, que avisa que, se não houver agora uma melhoria dessas relação, o STE vai “tomar todas as medidas que sejam precisas para que isso aconteça”.

Também o líder da Frente Comum lembra, em jeito de crítica, a postura que o Governo assumiu, nestes últimos anos, nos processos negociais. “Acusámos muitas vezes o Governo de não ser dialogante. A proposta de saída era sempre igual à do início. Vamos ver se [se mantém] assim ou não”, afirma Sebastião Santana, em conversa com o ECO.

O sindicalista frisa, além disso, que as maiorias absolutas não costumam beneficiar os trabalhadores da Administração Pública — na última, alerta, registou-se a destruição de vínculos laborais. “O Governo diz que quer fazer diálogo social, mas se calhar não concluiu a frase. O diálogo social levado a cabo tem sido muito mais com os representantes do patronato”, atira Sebastião Santana, lembrando que o Executivo “nunca pediu desculpa aos trabalhadores” como fez com os patrões, quando estes suspenderam a sua participação na Concertação Social, após terem sido aprovadas alterações à lei laboral sem que tivessem sido consultados. “Não acreditamos em milagres. Estamos convencidos que o caminho há-de ser o da resistência“, continua o sindicalista.

Já o líder da Federação dos Sindicatos da Administração Pública (FESAP) espera que o novo Governo reforce o diálogo e a negociação coletiva. Em declarações ao ECO, José Abraão revela que vê com “alguma esperança” e com “otimismo moderado” os resultados desta ida às urnas e o seu impacto na relação negocial entre o Estado e os sindicatos.

“Vamos ter um Governo estável, de legislatura, que espero nos permita reforçar a negociação coletiva e o diálogo social, em particular na Administração Pública, resolvendo muitos problemas que ainda não foi possível resolver”, frisa o sindicalista, lembrando que foi, precisamente, com uma maioria absoluta no Governo que “houve condições para fazer verdadeiramente mudanças“, no Estado.

“O último aumento salarial foi em 2009, quando havia maioria absoluta”, exemplifica. De notar que, nesse ano, o Governo liderado então por José Sócrates avançou com aumentos de 2,9%, tendo os salários (e as progressões) ficado, no entanto, congelados a partir desse ano.

A FESAP adianta, por outro lado, que a maior prioridade, neste momento, é proceder a uma “verdadeira negociação no que diz respeito ao Orçamento do Estado para 2022, de modo a que se possa corrigir as injustiças que já estão criadas”. Uma delas, identifica Abraão, é a atualização salarial de 0,9% que foi aplicada em janeiro a todos os funcionários públicos. Ora, esse aumento foi calculado com base na inflação anual de novembro (deduzida de 0,1 pontos referentes à deflação de 2020), sendo que “a de dezembro foi mais alta”, observa.

Além dos salários, o sindicalista espera que o Orçamento do Estado resolva, por exemplo, “os compromissos relacionados com a revisão das carreiras e com o sistema de avaliação de desempenho, matérias cruciais para os trabalhadores da Administração Pública”. José Abraão diz mesmo que não há “mais condições para adiar” estas questões e lembra que, com o Governo minoritário, a negociação da avaliação até começou a ser feita, mas falhou.

Convém explicar que houve reuniões nesse sentido em abril e maio e, nessa altura, a expectativa (sinalizada pelo próprio Executivo) era de que a negociação ficasse concluída até ao final de 2021. Tal acabou, contudo, por não suceder, já que não foram marcados mais encontros, nem feitos mais avanços. O Governo justificou a situação com as dificuldades na “harmonização interna” entre os vários ministérios.

Estas prioridades expressas pela FESAP coincidem, em traços gerais, com as do STE. “São aquelas que apresentamos no caderno reivindicativo para 2022 e 2023“, diz Maria Helena Rodrigues. Ou seja, “remunerações que sejam capaz de reter os mais qualificado na Administração Pública e que permitam a sua valorização” e a revisão das carreiras para que sejam “desafiadoras, mas também atrativas e recompensadoras“.

Além disso, o STE defende a atualização do subsídio de refeição para seis euros, a revisão do sistema de avaliação (por via da eliminação das quotas aplicadas às classificações mais elevadas e de todas as “disposições que impedem a progressão na carreira”), o pagamento das despesas adicionais implicadas no teletrabalho, o estabelecimento de regras “claras e concretas” para a pré-reforma, a reposição dos 25 dias de férias e a criação de um programa específico de reformas antecipadas sem penalizações para trabalhadores com mais de 55 anos.

Também para a Frente Comum, os salários e a avaliação estão no topo da lista de matérias a negociar com o novo Governo. Sebastião Santana salienta que são necessários “aumentos de salários dignos para todos” os trabalhadores da Administração Pública. “Os 0,9% não são suficientes. Mantemos a exigência de aumentos de salários que façam face ao aumento do custo de vida”, reivindica o sindicalista.

Além dos ordenados, a Frente Comum exige a revisão do sistema de avaliação e a resolução do problema da precariedade na Função Pública, que persiste apesar do programa de regularização de vínculos. “Temos todos a certeza que os trabalhadores estão disponíveis para lutar pelos seus interesses”, avisa Sebastião Santana, que adianta que, no dia 10, o secretariado desta estrutura sindical tem reunião marcada para discutir e analisar os resultados das eleições de 30 de janeiro.

O que promete o OE 2022 à Função Pública?

António Costa repetiu-o por diversas vezes durante a campanha: caso saísse vencedor das eleições, voltaria a apresentar ao Parlamento a proposta de Orçamento do Estado para 2022, que a esquerda ajudou a chumbar. Agora que os portugueses deram ao PS a maioria absoluta que desejara, o novo Governo deve, então, apresentar esse documento na Assembleia da República, do qual constam várias medidas destinadas aos trabalhadores da Administração Pública.

Para os técnicos superiores — cuja necessidade de valorização foi reconhecida repetidamente pelo Governo, ao longo do último ano –, está prevista uma subida de 50 euros do salário de entrada na carreira.

Esse começo acontece, por regra, na segunda posição remuneratória, o que significa que, atualmente, o salário inicial para estes trabalhadores é de 1.205,08 euros brutos. Com o objetivo de rejuvenescer o pessoal do Estado e valorizar os recursos humanos qualificados, o Governo quer agora aumentar esse salário de entrada para 1.255,08 euros. Além disso, foi pensada uma diferenciação remuneratória, também na entrada, para os técnicos superiores com doutoramento.

Outra das medidas pensadas para a Função Pública é a simplificação do regime de acesso e a agilização dos procedimentos de seleção e recrutamento. Também esta medida tem como objetivo rejuvenescer os quadros do Estado, sendo que, inicialmente, estava previsto que estas alterações seriam realizadas ao longo do primeiro semestre de 2022. Esse prazo deve agora ser revisto.

Já no que diz respeito à formação, e no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o Orçamento do Estado sinalizou a necessidade de se fazer uma “reforma importante de capacitação [dos quadros] para a criação de valor público”.

Agora que o PS conquistou a maioria absoluta, o Governo (uma vez que seja formado e tome posse) discutirá o seu programa e estará, depois, em condições de debater o Orçamento do Estado. António Costa apontou a sua entrada em vigor para abril. O Governo costuma sentar-se à mesa com os sindicatos que representam os trabalhadores do setor público antes da entrega do OE no Parlamento, pelo que se espera que a primeira reunião entre o novo Executivo e os sindicalistas aconteça a curto prazo.

Fonte ECO

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