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A formiga no carreiro

Acórdão do Tribunal Constitucional dá razão a sindicatos e autarquias e diz que normas violam autonomia do poder local. Centenas de acordos deverão ser entretanto publicados, alargando as 35 horas a mais câmaras.

 

O Tribunal Constitucional (TC) chumbou as normas da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que determinam que o Governo deve participar na negociação dos acordos colectivos celebrados entre câmaras, juntas de freguesia e outros órgãos do poder local e os sindicatos. No acórdão publicado nesta quinta-feira, o TC conclui que essas normas, quando aplicadas às autarquias, violam "de modo frontal" o princípio da autonomia do poder local, dando razão a autarcas e sindicatos.

Esta decisão, que tem força obrigatória geral, vem pôr fim ao impasse que opõe autarquias e sindicatos ao Governo quanto à publicação de centenas de acordos colectivos assinados desde Setembro de 2013 - altura em que a lei das 40 horas semanais no Estado entrou em vigor – e que mantêm a semana das 35 horas.

Os acordos negociados entre organismos autárquicos e sindicados da CGTP e da UGT, e que o Ministério das Finanças se tem recusado a homologar e a mandar publicar em Diário da República com o argumento de que a lei previa a sua participação nas negociações, deverão ser publicados logo que o acórdão do TC seja também ele publicado. Em causa está, segundo os números dos sindicatos, a publicação e entrada em vigor de quatro a cinco centenas de acordos de câmaras, juntas de freguesia, serviços municipalizados e comunidades interminicipais, que têm estado na gaveta do secretário de Estado da Administração Pública, o que permitirá generalizar a semana de 35 num número significativo de autarquias.

“O Tribunal Constitucional declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que conferem aos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública legitimidade para celebrar e assinar acordos colectivos de empregador público, no âmbito da administração autárquica, resultantes do artigo 364.º (…) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (…), por violação do princípio da autonomia local, consagrado no artigo 6.º, n.º 1, da Constituição”, refere o acórdão 494/2015, que foi aprovado ontem por unanimidade e divulgado nesta quinta-feira.

Isto significa que os organismos da Administração Local podem negociar com os sindicatos acordos colectivos que prevejam, entre outras matérias, horários semanais de 35 horas, sem a interferência do Ministério das Finanças.

Os juízes entendem que, ao conceder uma competência ou atribuição à autarquia, no domínio da sua autonomia, “esta tem que a poder exercer em liberdade e sob sua responsabilidade, com os limites da lei”. Ou seja, refere o acórdão que teve uma declaração de voto do conselheiro Pedro Machete, a autonomia local só pode ser limitada por vinculações legais que o justifiquem, “sob pena de não se poder falar em responsabilidade própria”.

No caso em análise, “a modalidade de actuação prevista na norma impugnada (a intervenção administrativa directa do Governo, face a um caso concreto, efectuando juízos de mérito) traduz uma restrição da autonomia do poder local, injustificada pelos interesses públicos em presença, violando, de modo frontal, o princípio da autonomia local previsto no artigo 6.º, n.º 1 da Constituição”, justificam os juízes na decisão que teve como relatora a conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros.

A decisão resulta de um pedido de fiscalização sucessiva feito pelo Provedor de Justiça em Dezembro do ano passado. José de Faria Costa pedia ao TC que se pronunciasse sobre a legalidade do artigo 364º da Lei Geral do Trabalho que "exige a aprovação dos membros do Governo, responsáveis pelas áreas das Finanças e da Administração Pública, quanto aos acordos colectivos do empregador público no âmbito da administração autárquica”, por entender que ele violava a autonomia do poder local.

A intervenção do provedor foi solicitada pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre), por 16 municípios da Área Metropolitana de Lisboa, -  um processo liderado pelo então presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, que actualmente é o secretário-geral do Partido Socialista - e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap).

Os pedidos têm origem nas centenas de acordos colectivos assinados (desde o final de 2013) entre os sindicatos e as câmaras, juntas de freguesia e outros organismos autárquicos, para a manutenção do horário semanal de 35 horas. O Ministério das Finanças recusou-se a publicar esses acordos e pediu um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República. O parecer foi enviado ao Governo em Maio, mas só foi homologado em Setembro, e vai no sentido de considerar que as Finanças devem fazer parte das negociações, ao lado dos organismos autárquicos.

Entretanto, o secretário de Estado da Administração Pública, José Leite Martins, criou um guia que deveria ser respeitado pelos textos dos acordos colectivos e iniciou a revisão de várias dezenas desses acordos. Alguns deles,foram entretanto publicados em Diário da República.

Governo cumprirá decisão, sindicatos aplaudem

Em reaçcão ao acórdão, o Ministério das Finanças diz que respeita a decisão e que "cumprirá com a mesma".

O Sintap, uma das organizações sindicais que pediu a intervenção do provedor de Justiça, entende que a decisão do TC vem comprovar “que o Governo, através da homologação de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, reforçou uma interpretação que resultou em sérios prejuízos para as autarquias locais e respectivos trabalhadores, e que, tal como sempre afirmámos, configurava um situação de óbvia inconstitucionalidade”.

Embora o acordão apenas diga respeito à Administração Local, o Sintap espera que esta decisão permita abrir a porta à negociação de acordos colectivos nos organismos da Administração Central, de forma a repor as 35 horas semanais. E lembra que na Autoridade Tributária, na Autoridade para as Condições do Trabalho e no Tribunal Constitucional há acordos colectivos que vão precisamente nesse sentido e que aguardam luz verde do Governo.

José Correia, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), aplaude a decisão do TC, que classifica como "uma grande vitória" e espera que os acordos celebrados sejam rapidamente publicados.  

O STAL, ligado à CGTP, fez uma queixa-crime contra José Leite Martins por este bloquear a publicação dos acordos.

Também a Anafre exigiu a publicação dos acordos para as 35 horas semanais de trabalho nas autarquias. Pedro Cegonho, presidente da associação, diz que recebeu a notícia "com a tranquilidade de quem tinha a profunda convicção jurídica de que seria esta a decisão do Tribunal Constitucional".

"Juridicamente não havia outra solução. O princípio da autonomia local não comporta prerrogativas de veto por parte do Governo perante os instrumentos de contratação colectiva que sejam negociados, nos termos da lei, entre as associações sindicais e as autarquias locais", salientou em declarações à Lusa.

Pedro Cegonho destacou que a autonomia do poder local "é um limite material da revisão de própria Constituição" e que "comporta a existência de quadros próprios de pessoal e a gestão destes quadros próprios de pessoal por parte das autarquias".

"Perante esta decisão não vemos outra solução que não seja o Governo mandar publicar todos os acordos que estejam à espera de publicação", considerou.

 

 

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